Ediel Ribeiro: Céu de brigadeiro

Se tem um órgão do Governo Federal que trabalha - e muito - é o Departamento de Recuos e Desmentidos (DRD)

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Rio de Janeiro - Cerimônia de juramento à bandeira e entrega de Espadins da turma Almirante Bosisio na Escola Naval com presença do presidente da República Jair Bolsonaro. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Se tem um órgão do Governo Federal que trabalha – e muito – é o Departamento de Recuos e Desmentidos (DRD).

Ligado à Secretaria de Comunicação Institucional, antiga Secretaria de Comunicação – SECOM – o DRD funciona numa salinha nos fundos do Palácio do Planalto, ao lado do gabinete do ódio, sob o comando do secretário especial Flávio Augusto Viana Rocha.

Todo mundo sabe que uma das funções mais importantes no governo, hoje em dia, é a de recuar e desmentir as histórias do capitão e de sua prole.

No entanto, se o presidente ficar adulterando fatos, desmentindo e fraudando todo tipo de informação, daqui a pouco ninguém mais vai acreditar nas suas declarações.

Caiu como uma bomba (ou um avião) no Palácio do Planalto a notícia de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) liberou a compra de passagens na classe executiva para viagens aéreas para ministros e outros servidores do governo federal. Formou-se uma fila enorme em frente ao gabinete do presidente.

Quando o secretário especial Flávio Augusto bateu na porta, Bolsonaro levou um susto.

– Estava dormindo, presidente?

– Que dormindo!! Presidente não dorme, zero! – disse Bolsonaro, secando a baba que escorria pelo canto da boca – Estou aqui pensando na alegria dos meus ministros, na primeira classe dos aviões, tomando champanhe e comendo escargot…

– Mas, presidente, os jornais andam dizendo que seus ministros, filhos, aliados e amigos já fazem dos aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) transporte para fins turísticos. O senhor vai dar ainda mais munição a eles?

– Que munição!? A munição eles que comprem – afirmou o capitão, meio sonolento. – Eu já facilitei a compra das armas, com a munição, eles que se virem. Eu vou dar é passagens na primeira classe, taokey?

– Esse negócio das viagens, junto com a cloroquina e as vacinas, estão se transformando no calcanhar de Aquiles do seu governo – disse o secretário.

– Eu não sei quem é esse tal de Aquiles. Eu conheci o Aristides, que era um sargento espadaúdo da minha companhia… Mas, o que é que essa imprensa comunista anda falando, no tocante a isso daí?

– Deu outro dia na ‘Folha’ – disse o secretário, lendo as manchetes: “Ministros do governo levaram parentes, pastor e lobistas em voos oficiais com aeronaves da FAB”; “Jair Renan, pegou ao menos cinco caronas em deslocamentos solicitados por diferentes ministros”; “Ciro Nogueira, ministro-chefe da Casa Civíl, levou ao Rio de Janeiro, em agosto, o seu advogado Marcos Meira”; “Pastor Arilton Moura, da ‘Igreja Cristo para Todos’ – apoiador de Bolsonaro – participou de viagem do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de Brasília a Alcântara (MA)…

– Pa-ti-fa-ria, isso daí!!! Pa-ti-fa-ria!!! – repetiu. – Quero que o DRD solte uma nota afirmando que a medida é para “tentar atenuar eventuais efeitos colaterais em face de déficit de ergonomia e evitar que tenham suas capacidades laborativas afetadas, taokey? Precisamos cuidar não só da saúde mental, mas também da saúde física dos nossos ministros. A Damares e o Queiroga, por exemplo, já estão com uma certa idade. A maioria dos meus ministros tem bico de papagaio ou problemas de coluna. Não dá para ficar espremido na classe econômica, sem conforto. E depois, dá pena ver o Queiroga apertado entre duas senhoras gordas, na classe econômica – disse o capitão.

– Imagine se fosse na época do Lula? Com os aviões cheios de pobres!! – ironizou o secretário.

– Felizmente, graças a competência do Paulo Guedes, o meu governo acabou com isso daí!! – afirmou o capitão. – Pobre já tem duas manias de rico: comer todo dia e fazer aniversário todo ano, ainda quer andar de avião??

– O senhor acha justo dar as passagens mais caras para os “seus” ministros, quando a maioria da população não tem dinheiro nem para pegar um ônibus ou encher o tanque do carro?

– Isso daí é uma ‘cuestão’ de segurança nacional, taokey? Outro dia mesmo, eu fui vaiado por um bando de pobres, na classe econômica de uma companhia aérea, dessas daí. Gritaram “fora, Bolsonaro”, “Bolsonaro, genocida”. Isso daí não tem cabimento! Aquela turma que vaiou devia estar andando de jegue, não de avião! Já pensou se eles resolvem agredir um ministro? Sem falar na alimentação. Na classe econômica eles só servem água, café e uns biscoitinhos. Como é que os meus ministros vão trabalhar de barriga vazia?

– Por que os ministros não procuram nas companhias pelas passagens promocionais, como todos nós?

Damares, que acabara de chegar, atraída pelo boato da distribuição de passagens na classe executiva, indagou:

– Secretário, o senhor já tentou comprar uma dessas passagens com descontos? É um verdadeiro inferno! Outro dia, vi Jesus na goiabeira e perguntei a Ele porque é tão difícil encontrar passagens com descontos. Ele não me respondeu. Devia estar preocupado, resolvendo algum problema do presidente, claro. Mas eu descobri isso outro dia quando telefonei para uma companhia aérea conhecida e disse que queria reservar um lugar na classe executiva para Dubai. A atendente da companhia perguntou:

– A senhora vai pagar em dinheiro ou com milhas?

– Com milhas – respondi.

– Infelizmente, não temos mais passagens com desconto nesse voo.

– Que pena – disse eu – A senhora não tem outras tarifas especiais?

– Podemos lhe dar um desconto se a senhora não for bolsonarista e estiver vacinada.

– Não me serve. E o que mais a senhora tem?

– Muito bem. Nós podemos fazer um preço especial se a senhora for em pé no corredor e prometer não fumar.

– Bom, eu não fumo, mas essa não parece ser uma boa opção. O que mais a senhora tem?

– Bem, podemos lhe dar um desconto de 30% se a senhora sentar na classe econômica, entre duas feministas.

– Não me serve. Será que a senhora não tem uma vaga entre duas pastoras evangélicas?

– Deixa eu ver aqui. A senhora tem, por acaso, algum problema em viajar com crianças?

– Não.

– Òtimo. Eu tenho aqui uma vaga entre uma menina que veste azul e um menino que veste rosa. Serve?

– Bom, se não tem nada melhor…

Ah! Antes que eu esqueça: o menino gosta de viajar com a janela aberta.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"

2 COMENTÁRIOS

  1. Bom a coluna é de opinião, ao menos relata a veracidade de um fato: a opinião do autor, que ao meu ver, não a das ruas… necessário sair um pouco do mundinho pseudo jornalistico e andar pelas ruas e ver o que a população de verdade acredita…

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