Ediel Ribeiro: Em cem anos saberá

'Para ocultar os malfeitos do governo e de sua família, o presidente impõe a lei do silêncio o que se assemelha à censura nas ditaduras'

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Foto: Sérgio Lima/PODER 360

Rio – Já posso até imaginar a cena:

Em 2122, quando a faxineira do Palácio do Planalto for limpar o gabinete do presidente da República, vai encontrar todas as fraudes do governo Bolsonaro.

É que o presidente, com os decretos de sigilo, está jogando para debaixo do tapete, por 100 anos, todas as trapalhadas do seu governo.

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Para ocultar os malfeitos do governo e de sua família, o presidente impõe a lei do silêncio o que se assemelha à censura nas ditaduras.

Bolsonaro tem desprezado as instituições democráticas desde o início. Fazia apenas 24 dias que o presidente Jair Bolsonaro havia assumido o mandato – nem tinha esquentado ainda a cadeira – quando o Diário Oficial da União trouxe o primeiro decreto de sigilo.

Portanto, não há surpresa nenhuma que esteja suprimindo um dos instrumentos fundamentais da sociedade para controlar seus governantes: o direito à informação. Embora todo mundo saiba que o presidente vem fazendo de tudo para proteger seu emprego e sua família, ninguém pensou que fosse nessa escala.

Esta semana, o presidente meteu-se numa terrível embrulhada quando quis decretar sigilo de 100 anos para o crime do Genivaldo.

Quando o secretário de comunicação entrou no gabinete do presidente, o capitão estava de pé, em frente a sua mesa, respondendo a um twitter.

“Em 100 anos saberás” – digitou.

– Ocupado, presidente?

– Não. Estava respondendo a um cidadão que ‘cuestionou’ se há algum assunto espinhoso que eu estou tentando esconder com a ‘cuestão’ dos sigilos.

– Isso tá dando o que falar. Estão dizendo até que seu governo não é tão transparente como o senhor diz que é, e que só não aparecem as corrupções no seu governo porque o senhor não deixa invertigar.

– Pois eu vos digo-lhe… Isso daí é narrativa da esquerda marronzista – vociferou. – Vamos ao que interessa. Quero que você publique no Diário Oficial da União um decreto de sigilo de 100 anos no caso do assassinato do Genivaldo de Jesus em câmara de gás da PF, taokey?

– Presidente, isso vai parecer, com perdão do trocadilho, mais uma de suas cortinas de fumaça. A imprensa já está em cima do senhor por causa desses sigilos. O senhor já decretou sigilo de 100 anos no caso dos encontros com Valdemar da Costa Neto, presidente do seu partido, que foi preso no ‘Mensalão’; no caso dos encontros dos lobistas de armas e o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef com o senhor; nos casos das reuniões entre o senhor e pastores que teriam negociado recursos do Ministério da Educação com prefeitos.

– E daí?? É uma prerrogativa do presidente, isso daí…

– Tem mais – continuou o secretário. – O senhor também decretou sigilo no caso do ato político, em seu favor, do general Eduardo Pazuello; no caso dos crachás de acesso de Carlos e Eduardo Bolsonaro no Palácio do Planalto; no caso do seu cartão de vacinação que também está em sigilo por um século; no caso dos gastos com o seu cartão corporativo e até no caso da matrícula da sua filha no Colégio Militar de Brasília, quando o ingresso ocorreu sem que ela passasse por processo seletivo.

– Por que o senhor não libera todas essas informações e acaba logo com essa história de sigilo? – quis saber o secretário.

– Em 100 anos saberás – disse.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"
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