Ediel Ribeiro: Lembrando o cartunista John Callahan

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre ''Don't Worry He Won't Get Far on Foot'', de John Callahan

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John Callahan - Foto: Reprodução

Alguém já disse que o frio combina com filme e pipoca. Então, com a frente fria, passei o final de semana em frente a TV. Valeu a pena. Assisti, com indesculpável atraso, ”Don’t Worry He Won’t Get Far on Foot”, a trágica e comovente história do cartunista John Callahan.

“Não Se Preocupe, Ele Não Vai Longe a Pé” – título em portugues, tirado de sua autobiografia – é um bom filme. O roteiro é um pouco lento, mas honesto. A carreira do cartunista, no entanto, poderia ter sido mais explorada. O guião gira principalmente em torno do acidente e da sua luta contra o álcool, mas a história vai te prender em frente à TV, principalmente se você também for um cartunista, como eu, e fã do trabalho de John Callahan.

O cartunista e músico americano nasceu na cidade de Portland, em 5 de Fevereiro de 1951. Abandonado por seus pais biológicos, foi adotado por David Callahan e a sua esposa, Rosemary, um casal do Oregon que acreditava não poder ter filhos – apesar de mais tarde terem tido mais cinco filhos – e de quem recebeu o nome de John Michael Callahan.

Calahan cresceu em The Dalles (Oregon), cerca de 50 milhas a leste de Portland, e frequentou a escola católica St. Mary’s Academy, onde começou a desenhar caricaturas de freiras e seus primeiros cartuns. “Eu comecei a desenhar desenhos animados de roedores para divertir os meus amigos na aula” – disse. Quando tinha 8 anos, ele foi abusado sexualmente por uma freira e para lidar com o trauma, aos 12 anos de idade John começou a beber. “Eu usei álcool para esconder a dor do abuso”, disse ele.

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Ao formar-se na Academia St. Mary’s, em 1965, John começou a trabalhar como assistente num hospital psiquiátrico estatal, depois, trabalhou numa fábrica de alumínio. Aos 20 anos de idade, John mudou-se para Los Angeles. A partir daí, a sua dependência ao álcool aumentou. John bebia cerveja, vinho e whisky. Às vezes, tudo misturado. Ele também teve experiências com as drogas, incluindo maconha e LSD. “O LSD assustou-me, deixou-me paranóico”, disse John. No entanto, o álcool era a sua droga preferida e teria um papel significativo nos eventos que mudariam a sua vida para sempre.

Em 1987, Callahan começou a escrever a sua autobiografia, ‘Don’t Worry He Won’t Get Far on Foot – The Autobiography of a Dangerous Man’, publicado em 1989. “Achei que era uma boa história para partilhar com as pessoas”, disse John.

Na noite de 22 de Julho de 1972, depois de beber uma quantidae excessiva de álcool, ele deu as chaves do seu carro a Dexter, um amigo que acabara de conhecer. Dexter estava tão bêbado que bateu com o carro de Callahan a mais de 140 km/h num poste. John ficou paraplégico e Dexter com apenas alguns ferimentos leves. Callahan tinha 21 anos de idade.

Callahan continuou a beber durante vários anos. Em 1978, tetraplégico e alcoólatra, ele recorreu aos Alcoólicos Anónimos e decidiu parar de beber. A partir daí, Callaham transforma sua vida, tornando-se um dos cartunistas mais improváveis, ácidos e perseverantes do mundo. O artista usou as limitações físicas para desenvolver uma carreira artística com a ajuda de sua namorada, uma sueca chamada Annu e de um simpático padrinho.

Embora ele pudesse estender os dedos, ele mal tinha forças para segurar a caneta. Para desenhar, ele guiou lentamente a sua mão direita sobre o papel com a mão esquerda, produzindo imagens simples, quase infantis. Dessa maneira, produziu cartuns que, embora bem rudimentares, foram publicados em mais de 200 jornais.
Como cartunista profissional, ele começou relativamente tarde. O seu humor negro, bruto e os temas que tratou suscitaram algumas controvérsias, e algumas publicações receberam cartas e telefonemas de anunciantes que ameaçavam retirar a sua publicidade. Muitos de seus cartuns foram recusados pelos jornais, por seu senso de humor controverso, corrosivo e politicamente incorreto.

Um dos casos mais curiosos ocorreu em 1966. Callahan enviou uma tira sobre o adolescente Martin Luther King Jr. ao ‘Miami Herald’ que foi classificado como obsceno e imediatamente rejeitado.

No entanto, durante a montagem, um empregado da oficina incluiu-o erroneamente para publicação e o ‘Miami Herald’ teve de destruir 500.000 exemplares do jornal. Naquele dia, o jornal decidiu nunca mais publicar os cartuns de Callahan.

Tão brilhante como controvertido, Callahan virou um dos desenhistas mais criativos e irreverentes de sua geração. De gênio a medíocre; de grosseiro a encantador; Callahan foi tudo e mais um pouco. O cartunista era admirado por artistas e celebridades que elogiaram o seu trabalho, entre eles, o humorista Richard Pryor, o ilustrador Bill Plympton, o cartoonista Gary Larson e até Bill Clinton. Callahan chegou a receber elogios de Matt Groening, o criador dos Simpsons, que escreveu: “Os cartuns de Callahan são brutos e depravados – em suma, todos os adjetivos que os cartunistas querem ouvir”.

Os cartuns de Callahan tratavam de assuntos frequentemente considerados tabus , incluindo deficiências e doenças. Alguns de seus melhores desenhos tratam do lado sombrio das pessoas. Seu humor negro vasculha violência, insanidade, perversão, fanatismo e escatologia para arrancar um riso selvagem ou um arrepio de repulsa. Callaham podia dizer coisas ultrajantes para as pessoas. Elas esperavam isso dele.

Callaham publicou treze livros com seus cartuns, um dos quais autobiográfico. Músico bisexto, ele lançou um CD com 19 canções intitulado ‘Purple Wings in the Rain’, em 2006. Callaham escreveu, compôs e cantou suas próprias músicas . O ‘The Independent’ chamou suas canções de “bonitas, mas sombrias”.

Callahan morreu em 24 de Julho de 2010, aos 59 anos de idade devido a complicações durante uma operação de úlcera e a problemas respiratórios. O cartum que deu o seu nome ao livro e ao filme está impresso no túmulo do cartunista no cemitério do Monte Calvary, em Northwest, Portland, Oregon.Recorde para John Callahan, 1951-2010.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"
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