Ediel Ribeiro: Morda meu coração na esquina

Colunista do DIÁRIO DO RIO diz que, lendo ‘Morda Meu Coração' na Esquina’, descobriu uma das vozes mais libertárias, vigorosas, anárquicas e originais da poesia brasileira

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Confesso, conhecia pouco a poesia de Roberto Piva. Li alguns poemas seus publicados em ‘Paranóia’, escrito em 1963, quando o poeta tinha apenas 26 anos.

Hoje, lendo ‘Morda Meu Coração’ na Esquina’ (Companhia das Letras – 496 páginas) descubro uma das vozes mais libertárias, vigorosas, anárquicas e originais da poesia brasileira.

Autor de versos radicais e transgressores, adepto do surrealismo e influenciado pela geração beat, Roberto Piva frequentemente é classificado como um “poeta maldito” e, de fato, sua poesia evoca muitos poetas que são tradicionalmente considerados malditos. Caso de Leminski, Cacaso, Torquato Neto, Chacal, Ana Cristina César, Waly Salomão, Álvares de Azevedo, Antonin Artaud, Arthur Rimbaud, Marquês de Sade e Pier Paolo Pasolini, entre outros.

Poetas mais canônicos, como Fernando Pessoa, Federico Garcia Lorca e Walt Whitman também influenciaram o poeta.

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Amor e erotismo aparecem como tema central na obra do autor. Piva descreve a ‘sua’ São Paulo – noturna, caótica, cinza e barulhenta – com um olhar altamente erotizado, acompanhado pela experiência com narcóticos e alucinógenos. Nos versos de Piva, que carregam toques de surrealismo, xamanismo, homoerotismo e de misticismo, estão presentes o desejo sexual, a violência física, o delírio, a razão, a sensação coletiva das metrópoles e sua irremediável solidão.

‘Morda Meu Coração’ na Esquina’ reúne pela primeira vez, em um só volume, a obra de Roberto Piva. Organizado por Alcir Pécora, A obra perfaz a trajetória de Piva e traz textos de Claudio Willer, Eliane Robert Moraes e Davi Arrigucci Jr.

A edição inclui ainda poemas esparsos, cronologia do autor e imagens publicadas na edição original de ‘Paranoia’.

Piva sofria de Parkinson e gostava demais da natureza. Estreou na literatura em 1963, com o livro ‘Paranoia’, numa edição acompanhada por fotografias do artista plástico Wesley Duke Lee. Dali em diante, até 2010 – ano de sua morte –, o poeta ganharia lugar único na cena literária.

Avessa às convenções sociais, à moral, aos bons costumes, ao bom-mocismo e ao modo de vida burguês, sua poesia chocou os leitores de então e segue como referência ímpar para as novas gerações. Sua poesia é lida, principalmente, nos meios jovens da contracultura.

Em 1976, Piva foi incluído na antologia “26 Poetas Hoje”, de Heloísa Buarque de Holanda.

Piva figura, ao lado de Claudio Willer e Sergio Lima, como um dos únicos poetas brasileiros resenhados pela revista francesa ‘La Bréche – Action Surrealisté’, dirigida por André Breton, em sua quinta edição, de fevereiro de 1965.

Selecionei um poema do livro para lembrar sua ligação com a natureza:

A IDADE DO MAR
Heliogábalo é uma nuvem
Com seu charuto de rosas
A força da águia romana
É azul e amarela
Como o pênis-periscópio
Do submarino
Na tarde sem fim.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"
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