Se vivo, Alfredinho teria feito ontem 79 anos.
“É proibido tocar nas mesas”, conforme a advertência amigável que os frequentadores de botequins já devem ter se deparado. Felizmente, nem todos os proprietários de botequins apresentam desequilíbrios mentais ou problemas de saúde. As rodas de samba conquistaram espaço nos botequins do Rio de Janeiro, figurando como uma força cultural em ascensão, ao contrário do que sugere a expressão utilizada.
O Bip-Bip, ou “Bip”, como é carinhosamente chamado pelos frequentadores habituais, é notório por seu espaço exíguo, e é um local quente, para dizer o mínimo. No entanto, ninguém se queixa da situação. A densidade de pessoas no boteco é tal que, para mudar de assunto, é preciso sair do estabelecimento. Quando a casa está cheia, é praticamente impossível se aproximar dos músicos, levando a turma a se espalhar pela calçada.
O único estabelecimento mais modesto que o Bip que conheci é o Bar do Samuca, em Santa Tereza. Costumava frequentar o Bar do Samuca com Ykenga, cartunista do jornal O Dia. O bar era tão pequeno que possuía apenas uma mesa. Aqueles que chegavam depois precisavam se acomodar na calçada, cuidando para não serem atingidos pelos bondes que passavam em frente.
Porém, esse é um tema para outra crônica. O bar, fundado em 13 de dezembro de 1968, durante o auge da ditadura militar e da implantação do AI-5, continua sendo um refúgio para a arte e a cultura. É frequentado por boêmios, jornalistas, artistas e intelectuais, e a partir de 1984, tornou-se um bastião da música popular brasileira, sob o comando de Alfredinho, o quarto proprietário.
Apesar de seu senso de humor ácido, Alfredo Jacinto Melo, ou Alfredinho, como é carinhosamente chamado, transformou um espaço de apenas 18 metros quadrados em uma atração internacional. Ele é conhecido tanto por sua generosidade quanto por sua irritação em relação à quebra de etiqueta no estabelecimento, especialmente por aqueles que ousam falar alto durante as apresentações ao vivo ou pedir atendimento de forma estridente.
No Bip Bip, não há garçons; os próprios clientes pegam suas cervejas no freezer e cortam o queijo no balcão. O nome do bar, “Bip Bip”, é uma homenagem ao satélite russo Sputnik, por causa de seu som característico, embora no bar em si o silêncio seja valorizado. Alfredinho resume: “É a casa da música.”
Às segundas e terças-feiras, o estabelecimento abriga uma roda de choro; às quartas-feiras, é a vez da bossa nova; quintas, sextas e domingos, o samba reina. O local também dá espaço para músicos da nova geração, ocasionalmente compartilhando o palco com ícones como Beth Carvalho, Cristina Buarque, Walter Alfaiate, Moacyr Luz, entre outros.
Infelizmente, como tudo que é bom, a roda de samba termina às 21h, possivelmente por ordens do prefeito. Na minha última visita, no mês passado, para o lançamento do livro “Sons da Palavra” do escritor e amigo Luís Pimentel, tive o prazer de reencontrar Alfredinho.
Hoje, em pleno Carnaval, lamentamos a partida de Alfredinho, deixando todos nós que o apreciávamos e amamos música, boemia e o Carnaval com a sensação de uma quarta-feira de cinzas. Em homenagem ao nosso amigo, o jornalista Luiz Pimentel reuniu diversas crônicas no livro “Alfredinho – Sobrenome Bip Bip”, onde deixei registrada a seguinte mensagem:
“Ouvi os Anjos Tocarem suas Harpas. O cartunista Jaguar me disse uma vez que o Bip Bip era o único botequim que conhecia sem fins lucrativos. E era. Alfredo Jacinto Melo, o popular Alfredinho, comandava o Bip Bip sem preocupações menores. Nunca se preocupou em ganhar nada. Talvez por isso fosse botafoguense. ‘Quero me divertir. Ajudar os outros e ser anfitrião,’ dizia, resumindo sua utopia praticada com fervor religioso. Carismático, apesar do senso de humor ácido, Alfredinho era uma daquelas pessoas que você se apaixona logo que conhece. Apaixonado por música, com certeza ele está lá no céu – com seu copo de vinho na mão – ouvindo os anjos tocarem suas harpas. E, claro, reclamando do barulho.”
Adeus, amigo.