Ediel Ribeiro: O Bar Simpatia e as histórias do luar

O colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre o Bar Simpatia no Centro do Rio

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Eu tinha uma agência de publicidade na Av. Rio Branco, em cima do antigo Banerj.

Quase em frente, ficava um bar chamado ‘Simpatia’ que funcionava no térreo do antigo prédio do ‘Jornal do Brasil’, na avenida Rio Branco, por volta dos anos 60. Na agência, também funcionava a redação da ‘Rádio Magazine’, uma revista que eu editei que falava sobre o veículo.

O ‘Simpatia’ era um lugar agradável, em pleno centro da cidade, onde os jornalistas se reuniam para beber um chope e jogar conversa fora. Passaram pelo ‘Simpatia’, Janio de Freitas, Alberto Dines, Ateneia Feijó, Murilo Felisberto, Alberto Ferreira, Erno Schneider, Helio Kaltman, Luarlindo Ernesto, Sergio Cabral, Jaguar, Millôr Fernandes e tantos outros. A maioria trabalhou no JB.

O Café e Bar Simpatia marcou época e foi um dos ícones gastronômicos do Rio. Fundado nos anos 20, resistiu até os anos 90, na Av. Rio Branco, esquina com Rua do Rosário. Lembrava um café parisiense com mesas na calçada e cadeiras de palha. Deixaram saudades seus sanduíches feitos no pão de forma, com massa fina e aparado nas bordas, os deliciosos sucos de coco e tamarindo, sem falar no chopp e o inigualável croquete de carne. O edifício de quatro andares, projetado pelo arquiteto René Barba, em 1904, onde funcionava o café, existe até hoje.

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Gosto de recordar o Rio Antigo. Gosto de lembrar de lugares que não existem mais, ou que – se ainda existem – não são mais como antes. Estas lembranças afloraram, quando, outro dia, li a excelente crônica “Muitas Lembranças do Rio de Outrora”, do jornalista Luarlindo Ernesto, de “O Dia” – que, como eu, frequentou o “Simpatia” – e que com a devida vênia, publico aqui:

“Caminhando pela Avenida Atlântica, Posto Seis, tentando comprar um robalo, ali na Colônia de Pesca, sem o petróleo derramado em nosso Litoral Nordeste, bateu aquela nostalgia.

Cadê a TV Rio? E, lá no Leme, onde andará – viva ou morta – a Lindaura, que nos servia o caldo verde no Beco da Fome? Pensei até no Ibrahim Sued, com seu caderninho na pérgola do Copacabana Palace. Pô, soltei o freio e deixei a mente vagar nas ondas de outrora.

As musas que passaram pelo Copa, Gina Lollobrigida, Kim Novak – que acabou passando uns dias na casa de campo do Samuel Wainer, em Itaipava – e outras e outros tantos que pintaram no pedaço.

A TV Tupi, na Urca, a Continental, em Laranjeiras, a Excelsior, em Ipanema. A Globo estava nascendo…Caramba, quase esqueci do Verão da Lata, do Pier de Ipanema, dos motéis da Barra, do bar do Osvaldo.

Barra e Recreio, na Baixada de Jacarepaguá, faziam parte da Zona Rural (com Santa Cruz e Campo Grande juntando os pedaços). O milésimo gol do Pelé, no Maraca transbordando de gente. As pernas tortas do Mané Garrincha…

Vi Juan Manuel Fangio, o italiano Carlos Pintacuda, o brasileiríssimo Chico Landi correram com suas “baratinhas” no Trampolim do Diabo e na Quinta da Boa Vista.

Bebi refresco no Bar Simpatia, na calçada da Avenida Rio Branco, ao lado da movimentada e concorrida de gente bem vestida, na Galeria Cruzeiro. Vi o Palácio Monroe no auge e ao ser demolido.

Ah, vi o Aterro do Flamengo ser iniciado, andei de bonde e de ônibus elétrico – os cariocas chamavam de Chifrudo – vi a Casa Rosada, ali na Rua Alice, no auge do movimento.

Encarei a renúncia do Jânio, a posse conturbada e a derrubada escandalosa do Jango, o nascimento de Brasília. Meu Deus, vi a derrota do Brasil para o Uruguai no novíssimo Maracanã, estudei em colégio católico e frequentei, de onda, a macumba.

Casei uma porrada de vezes nesse tempo todo. Homessa, nesse tempo, acreditem, não haviam inventado a bala perdida. As favelas eram poucas e pacíficas. Não havia televisão colorida, celular, internet. Os carros eram de fabricação americana – uns poucos ingleses e ou franceses – e poucos moradores tinham telefones em casa. O Émerson Fittipaldi foi parar em Cuba durante um sequestro de avião da Cruzeiro do Sul.

Os hoje clubes de futebol chamados de pequenos, Bangu, Olaria, Madureira e o Bonsucesso – o América, também – davam espetáculos no futebol e derrotavam facilmente o Flamengo, Vasco e Fluminense. O Torneio Início de Futebol (todos os clubes jogavam no mesmo dia) começava pela manhã no Maracanã e terminava no final da tarde. Porreta ! Eu levava lanche…

Jogava bola na rua; quando machucava a perna era atendido, prontamente, no SAMDU (Serviço de Assistência Médica de Urgência) da Rua do Matoso. Tinha médicos, medicamentos, ataduras, mercúrio cromo, vacina contra o tétano e gesso. Tudo a tempo e a hora. E as ambulâncias funcionavam.

Na Avenida Brasil, pouco trânsito – comparado com o de hoje – com a Aero Clube do Brasil instalado onde hoje é a Comunidade Magarinos Torres – Nova Holanda, para os mais novos – a praia de Ramos bem pertinho da avenida e a Colônia de Pesca, vendendo os frutos do mar para quem chegasse cedinho. O Galeão recebia os Constellations vindo dos Estados Unidos e Europa nas asas da Panair do Brasil. E as mulheres, ousadas, usavam biquínis cada vez menores.

O lado triste é que os homens matavam as mulheres por ciúme e não eram presos: defesa da honra. E saiam livres.

Vou tentar lembrar quantos jornais existiam no Rio. O Dia, A Notícia, JB, Globo, Última Hora, Diário de Notícias, Diário da Noite, A Noite, Gazeta de Notícias – fundada no Império – Luta Democrática, Diário Carioca… O Pasquim, bem, veio mais tarde.

Chega de lembranças. Tem muita coisa. Eu era novo, feliz, e não pagava Imposto de Renda. Caramba, quase esqueci de comprar o peixe…”

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"
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