No fim do ano, finalizando ‘Poesia Suja’, meu novo livro de poemas, botei para tocar “Todos os Olhos”, disco de Tom Zé, de 1973.
É aquele em que ele colocou na capa a foto de um cu com uma bola de gude no centro, fazendo as vezes de um olho.
A história da capa, embora seja emblemática e divertida, por algum tempo ofuscou a importância do que foi o 4º álbum na carreira de Tom Zé, que faz agora 49 anos.
Depois dela, Tom Zé foi relegado ao ostracismo. Passou a década de 1970 e 1980 avançando ainda mais seu pop experimental em álbuns relativamente herméticos, sem, no entanto, atrair a atenção do grande público.
A ideia de ter um ânus na capa foi do poeta concretista Décio Pignatari, amigo pessoal de Tom Zé, e o responsável pela produção. Em pleno auge da ditadura, Pignatari decidiu confrontar e ironizar a censura militar da época.
E a história virou um dos maiores mistérios da Música Popular Brasileira.
Chico Andrade, o fotógrafo da capa, quase quarenta anos depois daquela sessão de fotos, resolveu acabar com o mistério, contando a verdade sobre a capa. Segundo ele, a modelo foi uma prostituta, que sempre soube que o resultado seria uma capa de disco. “Por ser fã do Tropicalismo, ela topou na hora. A moça que posou cobrou um cachê artístico, inclusive, assinando recibo e tudo mais”, diz Andrade.
Até então, muitos – inclusive a censura – acreditavam que a imagem era uma boca e não um cu.
Não há objeto que supere o cu numa obra de arte. Ele é todo atenção. Estranho à essência ou à natureza da arte, por isso, a perverte. Durante muito tempo, ‘Todos os Olhos’ foi um disco mais conhecido por sua capa do que por suas músicas. Mas o disco é bom.
Produzido por Milton José, o disco foi gravado com o Grupo Capote e os músicos Cleon e Dualib. Os arranjos de corda são bem tortos, ideia do violonista/guitarrista Heraldo do Monte, ex-integrante do grupo ‘Quarteto Novo’.
O ritmo do disco lembra serestas contorcidas. ‘Todos os Olhos’, faixa-título, e uma das canções mais emblemáticas da carreira de Tom Zé, confunde vozes, percussões, coros e violão, como se chegassem a um terreno celestial.
Descoberto recentemente pelos fãs de Tom Zé, o disco com o cu inserido na capa – para usar um eufemismo – virou cult.