Nós os colunistas – os mais e os menos famosos – temos o ego e a autoestima elevados.
Somos todos Sherazade.
Em sua crônica “Teia”, o escritor e humorista Luís Fernando Veríssimo apresenta Sherazade como a primeira colunista da história.
A rainha Sherazade, como se sabe, contava todos os dias seus contos infindáveis – amanhã tem mais! Amanhã tem mais! – por mil e uma noites, para o Rei Shariar em troca de outro dia de vida, pela indulgência de um dia.
Nós que temos um espaço assinado em jornais – quando temos este privilégio – contamos nossos contos em troca de nossos nomes em letras garrafais no alto das páginas, além, claro, do dinheiro, e de alguns instantes de glória.
Nós cronistas não fazemos outra coisa senão tentar encantar os nossos – ‘reis’- leitores, movidos a vagas pretensões intelectuais.
Escritores, pintores e outros artistas, através dos tempos, carregam, junto com o talento, doses igualmente generosas de autoestima. Algumas pessoas as carregam de forma discreta. Outras, nunca esconderam a autoestima colossal.
Não sei se você leu, leitor, mas na gostosa crônica “Pretensão”, escrita por Luis Fernando Veríssimo no livro “Comédia da Vida Pública”, o escritor gaúcho escreve sobre o ego do pintor Pablo Picasso:
“Contam que Pablo Picasso nunca tinha dinheiro nos bolsos.
Quando ele acabava de jantar num restaurante, o dono aproximava-se da mesa com a conta, esperançoso, e perguntava:
– O senhor vai pagar ou vai assinar?
Picasso fazia uma mímica de procurar dinheiro nos bolsos, mas sempre acabava assinando a nota, que o dono do restaurante mandava emoldurar e depois vendia como um Picasso autêntico, por muito mais, é claro, do que o valor do jantar.
Quando a comida estava especialmente boa ou o grupo de Picasso era maior, ele, em vez de assinar a nota. Fazia rapidamente uma pomba ou odalisca na toalha, que mesmo com manchas de molho e vinho passava a valer uma fortuna. Ou então improvisava uma escultura com rolhas, miolo de pão e palitos, e a presenteava ao dono eufórico.
Certa vez Picasso mandou a empregada fazer o rancho e lhe deu um desenho para pagar a conta. Um bico-de-pena razoavelmente bem acabado, pois a conta seria grande. A empregada voltou com as compras e com um desenho horroroso feito num papel de embrulho, que entregou ao seu patrão. Embaixo estava a assinatura: “Pinot”.
– O que é isso? – perguntou Picasso, segurando o papel com a ponta dos dedos.
– O Monsieur Pinot, do armazém, mandou.
– Por quê?
– Ele disse que é o troco.
Naquele mesmo dia Picasso fez questão de passar pelo armazém do Monsieur Pinot, e o olhou com admiração. Finalmente encontrara um ego maior do que o seu.”