Ediel Ribeiro: o jurado

Ter sido convidado pelo Edra Amorim para ser jurado do 17° Salão Internacional de Humor de Caratinga (MG) foi o maior prêmio que recebi

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Foto: Divulgação

Ediel Ribeiro – jornalista, quadrinista e escritor.

Carlos Drummond de Andrade, escreveu em “Poema-Orelha”, um de seus mais belos textos: “A orelha do livro é por onde o poeta escuta se dele falam mal, ou se o amam”.

Ser jurado de Salão de Humor é igual a escrever a orelha de um livro. Você é convocado para falar bem ou mal dos artistas e de seus trabalhos. Eu, jurado!? Quanta pretensão! Mas, alguém tem que fazer o trabalho sujo, né? Ter sido convidado pelo Edra Amorim – organizador do evento – para ser jurado do 17° Salão Internacional de Humor de Caratinga (MG), foi o maior prêmio que recebi. Aceitei, claro. É uma honra.

Apesar do medo de avião, depois do convite, pensei em voar até Caratinga para a inauguração do evento; se as passagens pararem de subir mais que os aviões, claro. Enquanto comparava o preço das companhias aéreas que voam  para Minas Gerais, lembrei de uma história que aconteceu com o cartunista e escritor de quadrinhos, Georges Wolinski.

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O cartunista francês – morto no ataque contra a revista parisiense “Charlie Hebdo” – foi convidado para fazer parte do júri do Salão Internacional de Humor de Piracicaba (SP), em 2014, acho. Com dificuldade para viajar de avião por um problema de trombose nas pernas, o humorista brincou: “Mas Piracicaba tem rio, então posso ir de barco. Será que demora?”.  

Ao contrário de Wolinski, eu não posso ir de barco. Caratinga não tem rio, nem mar.

Julgar trabalhos de grandes nomes do cartum e dos quadrinhos nacional e internacional é uma puta responsabilidade. Quando fui convidado, quase disse ‘não’.  Aceitei porque quadrinhos é a minha praia. Minha tira “Patty & Fatty”, faz 20 anos em 2023, quando uma seleção das melhores serão publicadas em livro. Faço caricatura, charge, cartum e ilustração, de gaiato. Definitivamente, não é a minha. Acho que apenas sigo o conselho do Henfil.

Henfil, que fazia charges, desenhos, cartuns, pinturas, escrevia livros, fazia televisão, teatro e cinema, disse uma vez:  “Seja o que for que você escolher para fazer, nunca faça uma coisa só. Você tem que aprender várias coisas, dentro ou fora do seu campo profissional, para saber se virar nos momentos de aperto”.

O pai dos ‘Fradinhos’ estava certo. Principalmente, em se tratando de arte, num país em que viver de arte é quase impossível e, mais difícil ainda, é manter-se ‘vivo’, depois de morto.

Baseei minha análise das obras concorrentes em três pilares: arte, humor e texto. Os quadrinhos precisam ser bem desenhados (não confundir com o traço. O traço do Jaguar, por exemplo, é tosco, infantil, até; mas é bem desenhado), engraçados (caso das tirinhas de humor) e ter um bom texto.

Acompanhando alguns salões de humor pelo Brasil, percebi que os “quadrinhos” que geralmente ganham os principais prêmios, nem mesmo são ‘histórias em quadrinhos’, ou sequer ‘tirinhas’. São cartuns sequenciais.

Cartum e quadrinhos são coisas diferentes. Quadrinhos é uma arte sequencial, geralmente dividida em três quadros, com início, meio e fim. Tem personagens e histórias fixas. Não necessariamente precisa ter texto. Um exemplo bem acabado de quadrinhos sem diálogo é a clássica série “Spy vs. Spy”, do cartunista cubano Antonio Prohias, publicada no Brasil pela revista “Mad”.

Quadrinhos é o que fazem ou fizeram Henfil, Glauco, Angeli, Ciça, Adão Iturrusgarai, Laerte e muitos outros. Quino, um dos maiores quadrinistas do mundo, também fazia cartuns sequenciais, como esses que se passam por ‘tirinhas’ e faturam prêmios na categoria ‘quadrinhos’.

Lembro de um cartum sequencial clássico, do pai da Mafalda: no primeiro quadro, um sujeito está lendo um livro sentado no ônibus; no segundo quadro, ele tira o cadarço do sapato do homem que está sentado ao seu lado e marca a página que está lendo; no terceiro quadro, ele fecha o livro e desce do ônibus. O trabalho genial do Quino mereceria muitos prêmios, mas não é ‘quadrinho’, é um cartum sequencial.

Pode ser uma visão exclusivamente minha, outros podem pensar diferente, é natural em se tratando de arte. Só espero que minha maneira de ver os quadrinhos não tenha afetado negativamente meu julgamento das obras dos 40 concorrentes.

São todos muito bons.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"
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