Somos, decididamente, uma raça ingrata. Esquecemos dos nossos ídolos e heróis com a mesma rapidez com que esquecemos o que comemos ontem.
Hoje, o cartunista Ota – o mais antigo editor da revista ‘MAD’ brasileira – partiu sem o devido reconhecimento por tudo o que fez. Só era lembrado por nós, seus pares.
No Brasil, a maioria dos artistas acabam caindo no esquecimento, mesmo aqueles personagens que não deveriam ser esquecidos por sua grande importância.
Otacílio Costa d’Assunção Barros, ou simplesmente Ota, como era conhecido, foi cartunista, quadrinista, jornalista, escritor e editor. Filho mais velho de uma família de cinco irmãos, nasceu no Rio de Janeiro, em 4 de julho de 1954.
Formado em jornalismo, Ota foi o editor responsável pela versão brasileira da revista ‘Mad’ nos anos 70 e 80. Também trabalhou em outras publicações como o ‘Jornal do Brasil’ e ‘Folha Dirigida’.
Certa vez, escrevi: “Louco é quem nasce louco. Quem fica louco, é gênio. Os gênios enlouquecem.”
Ota era um louco, porque era genial. Só quem já bebeu, bateu papo ou recebeu um texto escrito por ele, sabe do que eu estou falando.
Ota falava – principalmente depois que tomava uns chopps – como escrevia: ‘enrolado’. A fala dele, como a escrita, não tinha acentuação, mas, de alguma forma, se fazia entender. Aquilo era genial.
Era tão louco que no extinto ‘Orkut’ havia uma comunidade dedicada a ele: “Eu odeio o Ota”. Mas, na verdade, ninguém odiava ele. Era tão irascível quanto incrível. Era sincero e direto. Sem meias palavras. Por isso colecionou alguns desafetos.
Em junho de 2020, ele estava lançando um projeto de financiamento coletivo no ‘Catarse’, que culminou com o lançamento, pela Tai Editora, do livro da sua personagem mais famosa, a ‘Garota Bipolar’. Eu liguei pra ele para pedir uma informação sobre a cartunista Márcia Z. Ele ouviu minha pergunta e emendou: “Eu não vi seu ‘nominho’ na lista de apoiadores da campanha da ‘Garota Bipolar’. E só deu a informação depois que eu prometi apoiar. Ota era assim.
Era uma enciclopédia sobre produção editorial. Eu sempre telefonava ou escrevia para ele quando tinha alguma dúvida sobre algum cartunista. Ele conhecia quase todo mundo. Lembrava de detalhes. Nem todos, claro. Tinha, como o Jaguar, uma amnésia seletiva. Uma vez perguntei a ele se um cartunista conhecido fumava maconha, e ele: “Não lembro”.
Na última vez que falei com ele, foi para tirar algumas dúvidas sobre o cartunista Vilmar Rodrigues. Vilmar foi ilustrador da MAD e amigo do Ota. Ele me dava as informações e quando eu mandava o texto escrito para ele ler, ele, invariavelmente, dizia: “Não é bem assim”. E contava outra história. Parecia bipolar, como sua personagem.
Era uma criatura bondosa. Tinha como uma de suas características dar chance aos novos talentos. Nas páginas da ‘Mad’ abrigou não só os que começavam a publicar profissionalmente, como abriu espaço para os veteranos que não tinham onde publicar seus quadrinhos. Muita gente ganhou uma ‘pratinha’ na ‘Mad’, graças ao olho clínico e à bondade do Ota.
Seu primeiro trabalho foi na EBAL, onde ficou até o final de 1973.
Em junho de 1973, Ota começou a botar na rua seus projetos autorais. Lançou pela Gorrion a revista “Os Birutas”, a primeira revista de quadrinhos inteiramente escrita e desenhada por ele que, na época, assinava como “Okta” e cujos personagens também foram publicados como tiras diárias no extinto diário ‘O Jornal’, entre 1972 e 1973.
“Eu fui parar nessa editora meio que por acaso. Era uma espelunca num prédio da Lapa. Eram três sócios meio picaretas que deram um golpe e sumiram.” – escreveu ele em seu blog. Nessa mesma época, colaborou para publicações underground como ‘A Roleta’, ‘Vírus’ e ‘A Mosca’.
Em 2016, publicou de forma independente o e-book ‘A Garota Bipolar – O Começo de Tudo’. A série teve edições impressas chegando a vender 3 mil exemplares.
Em 1984, publicou pela Record o livro ‘O Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro’, uma análise da obra do desenhista Carlos Zéfiro, que ajudou a contribuir para o reconhecimento da obra do artista.
Em 1994, recebeu o prêmio de ‘Melhor Revista Independente’, no Troféu HQ Mix, do Rio de Janeiro, pela criação da ‘Revista do Ota’, em 1993. O periódico, porém, não foi além do primeiro número.
Em 2005, assinou uma coluna sobre quadrinhos no Jornal do Brasil. E em 2006, publicou a tira ‘Concursino’ para o jornal ‘Folha Dirigida’.
Com o fim de “Os Birutas”, Ota foi trabalhar como editor na Editora Vecchi e ficou quase oito anos sem desenhar quadrinhos, já que sua nova atividade tomava quase todo o seu tempo.
Na Vecchi, em 1974, tornou-se o editor responsável pela versão brasileira da revista ‘Mad’ e a partir de 1977, também editou a revista de terror ‘Spektro’. Com a falência da Vecchi, em 1983, ambas deixaram de ser publicadas. Ota, então, voltou para a EBAL para trabalhar na editoração da ‘Cinemin’, uma publicação voltada para o cinema.
Em 84, a Editora Record comprou os direitos da ‘Mad’ e voltou a publicá-la. Ota retornou ao cargo de editor e continuou na função mesmo após uma nova mudança de editora, quando a revista humorística foi assumida pela editora ‘Mythos’, em 2000.
Em março de 2008, após dois anos fora das bancas, a Mad voltou a ser publicada pela Panini. Ota então foi contratado como supervisor de conteúdo nacional da publicação. Sete edições depois, motivado por desentendimentos editoriais, Ota deixou o cargo ocupado por ele por 34 anos. Foi sua última passagem pela revista.
Seus últimos dias foram sem trabalho e sem dinheiro. Embora continuasse produzindo, sem parar. Sobrevivia da criação de fontes tipográficas e da venda de velhas revistas de seu vasto acervo.
Ota foi encontrado morto nesta sexta-feira (24), vítima de um mal súbito, em seu apartamento, na Rua Ernani Cotrim, na Tijuca, Zona Norte do Rio.
Tinha 67 anos.
Acho que tem mais cartunistas com moscas voando por suas cabeças…
O que será que atrai tantas moscas?…
Poxa… Agora fiquei entristecido pelo esquecimento de um verdadeiro ícone de minha adolescência. Como eu adorava a MAD e as suas sátiras muito bem feitas.
Ota era nome certo na capa e no conteúdo sem igual.
Também me veio outra boa lembrança: Editora Brasil-América Limitada, a Ebal, onde havia o museu da revista em quadrinhos.
Beleza de texto, obrigado.
Um herói com final triste, o Ota. É uma pena que tenha sido assim. Infelizmente é um final quase certo para muitos artistas.