Ediel Ribeiro: Um ano sem Quino, o pai da Mafalda

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre a morte de Joaquín Salvador Lavado Tejón, o Quino, que completa 1 ano neste mês

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Comecei a desenhar a tira ‘Patty & Fatty’ inspirado nas falas da minha filha Patty – em 2003, quando ela ainda era uma criança – mas não dá para negar que, apesar da personagem do Quino ser mais politizada e a Patty uma adolescente porra louca, ela teve muita influência da ‘Mafalda’.

Soube que queria ser desenhista de quadrinhos quando conheci as tiras da Mafalda, do Quino. Os personagens do cartunista me ensinaram a pensar. Sou fã do Quino. Do Schulz. Do Angeli. Todos eles influenciaram o meu trabalho. A Patty e o Fatty tem um pouco de cada um desses artistas.

No ano passado, no dia 30 deste mesmo mês de setembro, fomos todos surpreendidos com a morte de Joaquín Salvador Lavado Tejón, o Quino.

O cartunista nasceu em 17 de julho de 1932, em Mendoza, na Argentina. Os pais do menino Joaquín eram espanhóis, de uma família humilde de Fuengirola, Málaga, que migraram para a Argentina na década de 1930.

Quino foi o cartunista mais internacional e mais traduzido da língua espanhola e, certamente, o de maior sucesso. O nome de Quino ficará para sempre associado à mais famosa das suas personagens: Mafalda, a garota inteligente e respondona.

Extremamente tímido, disse em uma entrevista: “Optei pelo desenho porque falar é difícil para mim”. Durante anos ele pendurou uma placa em seu escritório que dizia: “Por motivos de timidez, não se aceita reportagem de qualquer tipo.”

Quino desde muito cedo quis fazer quadrinhos. Decidiu isso ainda criança, aos três anos, influenciado por um tio, desenhista gráfico. Desde cedo, foi chamado pelos familiares pelo apelido de Quino, para diferenciá-lo do tio homônimo com quem aprendeu o gosto pela arte.

Em 1945, perdeu a mãe e em 1948, o pai. No ano seguinte, abandonou a Faculdade de Belas Artes, que não chegou a terminar, com a intenção de se tornar um autor de quadrinhos.

Nessa época (1962), trabalhando em uma agência de publicidade, recebeu a encomenda de criar personagens para uma campanha da empresa de eletrodomésticos ‘Mansfield’, para a qual desenvolveu, entre outras, uma personagem com o nome ‘Mafalda’, parecido com o da empresa.

A campanha não chegou a sair, mas a personagem ficou na gaveta do artista e mais tarde foi publicada na revista ‘Primera Plana’, em 1964, após ser recusada pelo jornal ‘Clarín’.

Entre 1965 e 1967, Mafalda foi publicada no jornal ‘El Mundo’, e mais tarde passou a ser impressa também na Itália, Espanha, Portugal, Brasil e em outros países, tornando-se a tira de maior sucesso da história, em língua espanhola.

Além do ‘El Mundo’, Mafalda foi publicada no ‘Esto es’ , ‘Leoplán’, ‘TV Guía’, ‘Vea y Lea’, ‘Damas y Damitas’, ‘Usted’, ‘Panorama’, ‘Adán’, ‘Atlántida’’, Che’, ‘Democracia’, entre outros.

Quino admirava artistas como Forges, Peridis, Schultz, Perich, Mingote, Summers, Chummy-Chummez, Gila, Galego y Rei e Puebla.

Na Espanha, a censura da ditadura franquista (1936-1975) obrigou os editores a colocarem um aviso na capa do primeiro livro de Mafalda no qual dizia que era uma obra “para adultos”. Mafalda também teve problemas com a censura em outros países, a exemplo de Brasil, Chile e Bolívia.

Apesar da censura, os livros que reuniam as tirinhas da Mafalda, seus pais, seu irmão mais novo, Guille e seus amigos próximos, Felipe, Susanita, Miguelito e Manolito, entre outros, venderam milhões de exemplares e foram traduzidos para o francês, o inglês, o japonês, o chinês, o português e mais de 30 idiomas.

Em 25 de junho de 1973, nove anos e 1.928 tiras depois de sua criação, Quino decidiu que não desenharia mais a Mafalda, esgotado pelo próprio personagem e pela tirania da entrega diária ao jornal, afirmando primeiramente que temia se tornar repetitivo e, depois, dando a entender que temia represálias políticas.

Apesar dos apelos e propostas que recebeu para retomar a publicação das tirinhas da Mafalda, o cartunista sempre se negou, permitindo o aparecimento dos personagens apenas em algumas causas sociais como as da Unicef, da Liga para a Saúde Mundial e para a prevenção da Covid-19.

Quino e Alicia não quiseram ter filhos. Quino Se mostrava muito pessimista a esse respeito: “É uma porcaria trazer alguém para cá sem ter perguntado”, declarou ao jornal EL PAÍS, em 1990, após trinta anos de casamento.

Em um jantar do qual participou em Oviedo com alguns amigos pouco antes de receber o prêmio ‘Príncipe de Astúrias de Comunicação e Humanidades’, de 2014, um dos convidados lhe perguntou se hoje em dia os pais de Mafalda estariam divorciados. E ele disse: “Não sei, para mim são só dois desenhos.”

Também lhe perguntaram como seria hoje aquela menina de personalidade forte e ele respondeu que provavelmente já estaria morta, porque teria sido um dos desaparecidos da ditadura militar argentina.

Quino tomava café sem açúcar, discordava da nouvelle cuisine – porque as porções eram muito pequenas – e adorava o vinho de La Rioja, tanto quanto Mafalda odiava sopa.

Após a morte de sua esposa, Alicia Colón, em novembro de 2017, mudou-se de Buenos Aires para Mendoza.

Quino na época já se deslocava em cadeira de rodas e sofria problemas de visão por causa de um glaucoma diagnosticado uma década antes. Durante a década de 1990, passou por seis cirurgias em apenas 10 anos. Em 2019 estava quase cego.

O artista morreu no dia 30 de setembro de 2020, em Mendoza, na Argentina.

Depois da morte de Quino, várias homenagens ao cartunista apareceram pela cidade. Obras que se tornaram grandes atrações turísticas, como a reprodução de Mafalda em tamanho natural, no parque Campo de San Francisco; a ‘Praça Mafalda’, no bairro Colegiales, em Buenos Aires; a escultura em tamanho natural da garota feita pelo artista Pablo Irrgang, em San Telmo, na esquina das ruas Chile e Defensa e o mural “O Mundo segundo Mafalda”, na estação de metrô de Peru, na capital argentina.

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Jornalista, cartunista, poeta e escritor carioca. É colunista dos jornais O Dia (RJ) e O Folha de Minas (MG) e Diário do Rio (RJ) Autor do livro “Parem as Máquinas! - histórias de cartunistas e seus botecos”. Co-autor (junto com Sheila Ferreira) dos romances "Sonhos são Azuis" e “Entre Sonhos e Girassóis”. É também autor da tira de humor ácido "Patty & Fatty", publicadas nos jornais "Expresso" (RJ) e "O Municipal" (RJ), desde 2003, e criador e editor dos jornais de humor "Cartoon" e "Hic!"

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