Na data que antecede o Dia Internacional dos Povos Indígenas, é impossível não refletir sobre a transformação profunda que essas comunidades ancestrais têm provocado em um indivíduo comum que, como muitos, carregava uma visão limitada e estereotipada sobre eles.
Desde aquele momento memorável no Xingu, onde o primeiro contato com uma aldeia indígena ocorreu, até as subsequentes jornadas que percorreram as aldeias acreanas na majestosa Amazônia e a envolvente comunidade Fulniô em Águas Belas, Pernambuco, essa trajetória pessoal se revelou uma fascinante epopeia de autoconhecimento. Um sentimento profundo e visceral de conexão com essas forças ancestrais emergiu, preenchendo o coração e o pensamento com um novo nível de compreensão.
Antes desse mergulho no universo indígena, a imagem retratada era, lamentavelmente, uma imagem comum: a representação desatualizada de indígenas nus dos tempos da chegada dos portugueses. Até recentemente, o 19 de abril, outrora conhecido como o “Dia do Índio”, carregava a tradição simplista de usar saias de palha, adornos exagerados e gestos caricaturais para simular a cultura indígena. Uma imagem reducionista que desperdiçava a riqueza da diversidade cultural e a profundidade espiritual desses povos.
Um olhar mais atento revela a extensa tapeçaria da ancestralidade. Uma herança transmitida através das gerações, ligando-se aos nossos antepassados, às nossas raízes. Nesse contexto, nomes como Guajajara, Tikúna, Yanomámi, Xavante, Sateré-Mawé, e tantos outros, destacam-se como símbolos vivos dessa herança. O censo de 2010, realizado pelo IBGE, revelou um panorama impressionante: 305 etnias sobreviventes no Brasil, unidas por 274 línguas distintas, todas enraizadas em uma complexa teia cultural. A última parcial do número de indígenas pelo IBGE do Sendo de 2022 prevê que esse número salte para mais de 1 milhão.
É triste constatar que, em meio a esse mosaico cultural, marcos importantes como o Museu do “Índio” permaneçam fechados por reformas que parecem não ter fim, enquanto a Aldeia Maracanã padece no abandono. No entanto, a presença indígena é inegável na própria identidade carioca, ressoando na própria palavra “carioca”. Também, a história os coloca como parte essencial da construção da cidade, através de trabalhos forçados no Aqueduto da Lapa.
A atual crise humanitária enfrentada pelo povo Yanomami, com centenas de membros debilitados pela doença e desnutrição, é um eco triste dos mais de 500 anos de narrativa brasileira desde a chegada dos europeus. Nesse tempo, os povos indígenas foram submetidos a um reducionismo indigno de sua riqueza cultural e sabedoria ancestral.
Entretanto, no horizonte brilha uma esperança palpável. Uma esperança de que a sociedade finalmente desperte para o tesouro inestimável que é a herança e as tradições dos povos indígenas. Reconectar-se com os antepassados é um ato de se tornar inteiro, de se tornar consciente e saudável. Em suas tradições e perspectivas, há lições valiosas para todos os que se dispõem a ouvir, aprender e sentir.
Neste Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebremos essas culturas resilientes que nos unem através das eras, lembrando-nos de que a riqueza da ancestralidade é um farol que nos guia para um futuro mais justo e consciente. Viva os povos indígenas de todas as nações.