Especialistas comentam o que pode ser feito para reduzir os danos do calor extremo no Rio de Janeiro

Mais árvores, corredores ligando os maciços da cidade, prédios com tetos verdes, chafarizes e aspersores de água nas vias mais movimentadas são algumas das ideias defendidas

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A recente onda de calor extremo pela qual o Rio de Janeiro passou nos últimos dias ligou um alerta que já deveria estar ligado há algum tempo. A cidade passará por outras situações parecidas ou até mesmo piores, garantem estudiosos do clima. Mas o que pode ser feito em meio às emergências climáticas para reduzir os danos e melhorar a qualidade de vida de quem mora no Rio?

O DIÁRIO DO RIO ouviu alguns especialistas de diferentes áreas que destacaram possíveis atenuantes para o problema.

O Rio está localizado numa zona tropical, numa área de baixada litorânea, tendo aos fundos, mesmo que distante, a Serra do Mar, que cria um bloqueio natural à circulação de ventos. Isso já torna a cidade quente, e não é de agora. No século XIX, durante o verão, quem podia subia a serra para lugares mais amenos, como Petrópolis. Mas, o modelo de ocupação urbana que se desenvolveu a partir do século XX, foi voltado para a crescente impermeabilização do solo, a construção de prédios altos, especialmente junto ao litoral, de onde vêm os ventos, e a supressão de espaços florestados. Com o aquecimento global e as ondas de calor, precisamos encontrar formas de mitigar a concentração de calor. Algumas medidas podem ser adotadas, caso haja interesse político e um planejamento específico”, observa o arquiteto e urbanista Roberto Anderson, em seguida, ele completa:

“A primeira medida é ter um plano de arborização intensiva. É importante lembrar que a Prefeitura não tem um orçamento para o plantio de mudas de árvores em vias urbanas. O diminuto plantio realizado é fruto de medidas compensatórias de remoção em terrenos privados, para construção de edificações. Isto, obviamente, não é o bastante“.

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Ainda segundo Roberto, a Prefeitura tem um programa exitoso de reflorestamento de encostas e devia também acelerá-lo. As encostas voltadas para o Norte são as mais devastadas.

Sobre o mesmo programa, o jornalista especialista em meio ambiente e mestre em Engenharia Ambiental pela Uerj, Emanuel Alencar, destaca que: “Essa política de reflorestamento é muito consistente, existe desde 1986, começando no Morro São José Operário, na Praça Seca. Uma política que atravessou diversos governos municipais, ganhou prêmios e se mostrou bastante eficaz. Isso colaborou muito para que o Rio de Janeiro conservasse e ampliasse suas áreas verdes”.

Emanuel também frisa que é fundamental a aposta nos corredores verdes, ligando os maciços da Pedra Branca, da Tijuca e de Gericinó/Mendanha, além de aproveitar e incentivar mais as áreas onde se pratica agricultura urbana na cidade.

A política de adensamento da arborização urbana deve vir em consorciada com uma política de fortalecimento da agricultura urbana, barateando os alimentos, principalmente para as pessoas mais pobres, que são as que mais sofrem com as consequências da emergência climática que já pode ser vista no Rio de Janeiro“, afirmou Emanuel.

O arquiteto e urbanista Roberto Anderson defende também que novos parques sejam criados, especialmente nos bairros das zonas Norte e Oeste. Outra medida que ele apoia é a adoção de um programa de “florestas de bolso”, no qual um plantio intenso é feito em pequenas áreas da cidade sem função definida.

“Outra medida importante é a indução da adoção de tetos verdes. Na cidade há milhares de metros quadrados de lajes sem uso nos topos das edificações. Elas absorvem calor, mas poderiam absorver bem menos, caso fossem tetos verdes ou hortas urbanas. Talvez fosse importante pagar por este serviço ambiental na forma de descontos no IPTU. Ainda no âmbito da arquitetura, será preciso prestar atenção nas empenas dos edifícios, que também absorvem calor. Elas tanto poderiam receber paredes verdes, quanto serem pintadas em cores que absorvam menos calor. Ainda falando de cor, nem todas ruas precisariam ser asfaltadas, e aquelas que o fossem poderiam receber um asfalto pigmentado em cores que abrandassem a retenção de calor”, destacou Roberto, que continuou:

“Será preciso também repensar onde adensar a cidade. Bairros, como Botafogo, já não suportam novos edifícios. Mas a Prefeitura não para de licenciar prédios para lá. Nas orlas ainda não totalmente edificadas é necessário evitar o paredão de edificações, incentivando afastamentos e escalonamentos em altura para permitir a passagem do ar marinho. Calor pede água e aqui no Rio, por receio de que a população de rua as utilize, as fontes e chafarizes foram sendo desativados. Precisamos de muitos chafarizes. Precisamos agora daqueles que jorram água bem alto, aspergindo umidade no ar. Isso ajuda muito. E de aspersores nas vias mais movimentadas, como já houve no calçadão de Campo Grande. E piscinas públicas nas áreas distantes do litoral. Por fim, é preciso falar das áreas de circulação sombreadas. Pérgulas, galerias comerciais, toldos sobre áreas de pedestres, seguindo o modelo dos mercados árabes, serão bem-vindos. O mundo está mudando e vamos ter que nos adaptar“.

De acordo com Ana Paula Furtado, educadora e pesquisadora em geografia e formação científica básica, “para amenizar as consequências das mudanças climáticas na vida cotidiana, é fundamental que aumente a circulação dos meios coletivos de transporte, a fim de reduzir a superlotação e desconforto térmico, principalmente dos BRTs e ônibus, além da garantia da manutenção dos mesmos com ar-condicionado. Ademais, a caminhabilidade da cidade do Rio de Janeiro já é ínfima, e em dias quentes é quase impossível transitar a pé em diversos bairros, por isso cito duas medidas possíveis: o aumento de plantio de árvores e a pintura das vias públicas de branco, a fim de reduzir a absorção do calor tanto em áreas residenciais como em áreas de transição entre bairros e comerciais, além de próximo a pontos de ônibus. Por fim, é necessário pensar em possibilidades da população ter acesso a protetores solares a um custo acessível e roupas de proteção, em especial os trabalhadores que ficam expostos ao sol, como barraqueiros e ambulantes”.

Diretor Regional Sudeste da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana, Flávio Telles aponta que é preciso realizar plantios nas áreas de estacionamento de supermercados, shoppings e empresas; preservar nas áreas verdes já existentes; aumentar o número de árvores em praças e parques; conservar as árvores grandes, pois são elas que trazem mais benefícios ambientais; aumentar o número de plantios nas ruas onde isso é possível; engajar a população no plantio e na manutenção das árvores da Cidade; aumentar o número de áreas verdes na cidade através de corredores verdes, renaturalização de rios e manutenção e construção de novos parques; implementar e proporcionar que os proprietários mantenham áreas verdes nos lotes através de redução de IPTU e implementar RPPN municipais e evitar o manejo que descaracteriza as árvores por redes aéreas.

“O ideal seria que num futuro próximo tivéssemos algo como professor honorário de silvicultura urbana da University of British Columbia Cecil, Van der Konijnendijk. Ele propõe em seus artigos que precisamos ter 3 – 30 – 300. A ideia é que você, ao olhar de casa, veja 3 árvores, que os bairros tenham 30% de área verde e exista uma área verde a 300m de sua casa. E eu diria que se não houver uma união entre o Poder Público, a sociedade e as entidades, nós não iremos mudar a situação atual de nosso município”, disse Telles.

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5 COMENTÁRIOS

  1. Todas soluções já bem conhecidas. Temos uma geografia complicada, mas a especulação imobliaria se encarregou, junto com os politicos de agravar o quadro. A selva de pedra precisa ser menos densa e deveriamos ter mais verde onde as pessoas vivem e nao apenas no alto dos morro

  2. Bairro Santa Cruz, décadas 1960 / 1970 era área rural de muita vegetação, poucas máquinas e motores geradores de calor e já era um calor descomunal no verão e frio e denso nevoeiro nas noites de meio de ano. O aquecimento global não é uma realidade mas o aquecimento nas algomerações urbanas por adensamento e por motores geradores de calor, sim.

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