Um estudo feito pela Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos faz um alerta para a articulação de milícias com nichos do Poder Executivo, sobretudo prefeituras, e casas legislativas da Região Metropolitana do Rio.
A conclusão está registrada em uma nota técnica elaborada pela organização que, ao longo de quase um ano, debateu o controle territorial de grupos armados em áreas do Grande Rio com promotores, policiais, jornalistas, ativistas e especialistas em dados.
O documento alerta ainda para o fato de as conexões entre milícia e polícia terem se tornado estruturais, com interferências em operações de segurança.
A menos de um mês das eleições municipais, o texto ressalta que vínculos entre criminosos e instituições legais são uma ameaça ao Estado de Direito e que um esforço suprapartidário é necessário para garantir o voto livre e a proteção a candidatos.
Pesquisadores afirmam que é preciso apurar criminalmente a possibilidade de a polícia estar operando como braço auxiliar dos interesses de grupos milicianos em algumas localidades fluminenses.
Segundo a rede, também é urgente monitorar o envolvimento de milícias com os poderes Executivo e Legislativo, para que não se instaure um quadro de “banditismo político, no qual o aparelho estatal fica submetido a interesses privados e extralegais”.
‘Transitam entre o legal e o ilegal’
Pesquisadores também afirmam que, durante o trabalho, foram colhidos relatos de que milicianos chegam a fundar associações de moradores para mobilizar a Defensoria Pública da União e assegurar o acesso de habitantes de comunidades a habitações do Minha Casa Minha Vida.
“O exemplo demonstra como essas organizações criminosas têm habilidade para transitar entre o legal e o ilegal e chama a atenção para um projeto ambicioso de tomada de poder do Estado“, diz a nota técnica.
O estudo observa que as milícias se expandiram territorialmente nas últimas duas décadas, com discurso de antagonistas do tráfico de drogas e “protetores” de moradores de comunidades.
No entanto, o que se vê atualmente é uma espécie de simbiose entre milícia e narcotráfico, com a atuação de milicianos no varejo de entorpecentes.
Vasta atividade econômica
Aproveitando-se da sensação de insegurança de populações vulneráveis, eles acumularam poder político, econômico e social, controlando serviços essenciais como transporte e a distribuição de gás e TV a cabo.
Agiotagem, grilagem, loteamento de terrenos, construção e revenda irregular de habitação, assassinatos contratados, tráfico de armas, contrabando, roubo de cargas, receptação de mercadorias e revenda de produtos também fazem parte da economia política das milícias.
De acordo com a análise da rede, milicianos se caracterizam pela diversificação de suas atividades econômicas, o que lhes dá vantagem técnica sobre narcotraficantes na gestão dos negócios e no controle territorial.
Seminário virtual
A nota técnica “Controle Territorial Armado no Rio de Janeiro” será lançada oficialmente nesta segunda-feira (26), às 14h, durante o 1º Seminário da Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança e Direitos — Milícias, grupos armados e disputas territoriais no Rio de Janeiro.
O evento terá transmissão ao vivo pelo YouTube. A mesa terá a participação dos pesquisadores João Trajano Sento-Sé, Marcelo Burgos, José Cláudio Sousa Alves e Claudio Ferraz. Os comentários serão de Jaqueline Muniz e Ana Paula Miranda.
O seminário terá ainda um último encontro na sexta-feira (30), às 14h, com o tema “O Fenômeno das Milícias no Rio e em outros estados brasileiros”. A mesa virtual será formada por Rafael Soares, Bruno Paes Manso, Aiala Colares Couto e Carolina Grillo, com comentários de Paulo Baía, Pablo Nunes e Paula Poncioni.