Tive a sorte de conhecer o senador Abdias do Nascimento (1914-2011), companheiro trabalhista e um pioneiro, seja na cultura, na educação ou na política. Defensor incansável da democracia e dos direitos humanos, nada mais justo do que batizar um selo com o seu nome. Por isso, o prefeito Eduardo Paes instituiu o Selo da Diversidade Abdias do Nascimento e a Secretaria Municipal de Trabalho e Renda, em uma singela homenagem, decidiu entregá-lo a 35 empresas, instituições e órgãos públicos que defendem e praticam o respeito às diferenças e à inclusão na cidade do Rio de Janeiro.
Todos, acreditamos, são comprometidos com a redução das desigualdades, o combate à discriminação racial e o empenho na construção de um Brasil melhor. E, por isso, mereceram a nossa distinção, entre outros, a Cáritas do Rio, o Grupo Soma, a Fundação Mudes, o Ipeafro, a Firjan, o Senai, o Sesi, a Fundação Roberto Marinho, o Tribunal de Justiça do Rio, o Club de Regatas Vasco da Gama, o Grupo Arco-Íris, a Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira, entre tantos outros.
A exemplo deles, nos inspiramos em Abdias do Nascimento. Primeiro, por sua impressionante trajetória de superação pessoal. Neto de escravizadas, filho de pais muito humildes, ele nasceu em Franca, no interior de São Paulo, e aos 15 anos obteve diploma em contabilidade. No Rio, após alguns anos de vida militar no Exército, formou-se em economia pela Universidade do Rio de Janeiro. Ele conhecia de perto a capacidade que a educação oferece de emancipar o indivíduo, ao provê-lo de cidadania e dos instrumentos para se assenhorar de seu próprio destino.
Por essa compreensão muito pessoal, e não pelas oportunidades que o Estado brasileiro mais negava do que proporcionava a um jovem negro nos anos 1920, Abdias escapou às estatísticas e se diplomou em um país onde o analfabetismo chegava a 65% da população. Com a Revolução Brasileira de 1930 e a chegada de Vargas à presidência, essa e outras chagas da vida nacional foram combatidas.
Mas os esforços do governo se somaram a uma importante iniciativa da sociedade civil, levada a êxito por um ainda jovem Abdias do Nascimento, a partir de 1944: o Teatro Experimental do Negro. Nele, além de combater o analfabetismo com educação de jovens e adultos em cursos nos contraturnos, o grande tribuno capacitava para o trabalho atores, roteiristas, cenógrafos, figurinistas, coreógrafos, e quantos mais existissem ofícios teatrais.
Ruth de Souza, Léa Garcia, Milton Gonçalves, o grande Haroldo Costa (que começou no TEN como professor dos cursos de alfabetização) e tantos outros jovens negros daquele tempo ganharam profissão, visibilidade artística e se tornaram referências da arte de representar, além de lideranças conscientes, dotadas de senso crítico e comprometidas com a brasilidade. Um legado que perdura até hoje, pelas mãos de Haroldo, ativo agitador da cena cultural carioca com seus mais de 90 anos de idade.
Militante do PTB, fundador do PDT, onde organizou o nosso Movimento Negro ao lado de Lélia Gonzalez, Caó e diversos companheiros, Abdias foi voz firme na defesa da redemocratização, deputado federal (1983-1987) e, como suplente de Darcy Ribeiro e depois efetivamente após o falecimento deste, por diversos períodos o senador que mais lutou pelo negro no Brasil. Pela importância que ele deu à educação e à inclusão pela via do trabalho, nada mais justo do que homenagearmos o nosso mestre com o Selo da Diversidade Abdias do Nascimento. É na causa da inclusão que as causas que Abdias do Nascimento defendeu em vida sobrevivem. Tenho muito orgulho de carregar essa bandeira, empunhada tantas vezes pelo nosso querido companheiro trabalhista.