Falta de professores em aldeias indígenas do Rio de Janeiro tem levado jovens a graves quadros de saúde mental

Casos de suicídios e automutilações estão acontecendo com frequência entre crianças e adolescentes

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Jovens guaranis na Aldeia Sapukai. Foto: Claudio Fagundes/Acervo Movimento Baía Viva

Por ausência de estruturas físicas, dificuldades para formar professores especializados e outras questões que passam pela escassez de investimentos públicos e privados, a educação indígena se tornou um problema no Rio de Janeiro. Indicadores nacionais mostram que é uma das piores do país, o que obriga os jovens a saírem do estado para estudar ou abandonarem os estudos. Quando decidem sair das aldeias, os indígenas fazem uma aposta para escrever um futuro, mas deixam suas raízes, suas origens, suas histórias. Os parentes ficam desestabilizados.

Produzindo uma série de matérias sobre os indígenas no Rio de Janeiro, o DIÁRIO DO RIO esteve, em agosto de 2023, na maior aldeia do estado, a Sapukai, em Angra dos Reis. Lá, na presença de diversos órgãos públicos estaduais e municipais (inclusive das pastas de educação), um grupo de jovens guaranis se manifestou, através de uma carta destinada à secretária estadual de educação, Roberta Barreto, pedindo uma escola de ensino médio para eles. No local há ensino fundamental, mas quando os alunos alcançam a idade para fazer o ensino médio precisam sair da aldeia ou parar de estudar.

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Vídeo dos adolescentes guaranis lendo a carta

“Nossos jovens querem estudar e não conseguem. É a educação que vai melhorar a vida deles no futuro. Sem isso, ficam sem rumo”, pontua o cacique Argemiro, na Aldeia Sapukai.

Lucas, liderança da Aldeia Sapukai, afirmou: “O ideal é ter escola aqui. Para ficarem perto, na casa deles“.

Fala de Lucas, uma das lideranças locais. Vídeo Felipe Lucena

O pedido dos indígenas é ter escolas que funcionem com a cartilha do Ministério da Educação (MEC) nos territórios onde vivem. São as chamadas Escolas Indígenas Diferenciadas. Essa é uma luta antiga das lideranças das aldeias.

Segundo o MEC, as Escolas Indígenas Diferenciadas “pautam suas ações e estratégias de transmissão, produção e reprodução de conhecimentos na perspectiva de possibilitar às coletividades indígenas a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas”. Ou seja, são espaços de ensino como os outros, com os mesmos conteúdos que são aplicados em escolas que não estão em áreas indígenas, mas respeitando e aplicando a cultura dos povos originários no cotidiano das aulas.

Casos de suicídio

Para as lideranças locais e órgãos públicos que acompanham as aldeias do Rio de Janeiro, casos recentes de suicídios entre os jovens indígenas do estado estão diretamente ligados à falta de perspectiva impulsionada pela ausência de escolas e professores para adolescentes na idade de cursar o ensino médio. No ano passado, uma moça de 16 anos se suicidou e, em março deste ano de 2024, um menino de 12 anos também tirou a própria vida. Ambos na Aldeia Sapukai.

De acordo com Sérgio Ricardo Potiguara, membro do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas (CEDIND-RJ), no qual representa a Rede GRUMIN: “Esta questão da ausência de contratos dos educadores indígenas de responsabilidade do governo do estado precisa ser resolvida com prioridade máxima diria até com urgência. No ano passado, numa reunião na Aldeia Sapukai de Angra dos Reis, que vários conselheiros/as do CEDIND-RJ estiveram presentes, além da Secretaria Estadual de Educação, Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública Estadual, Prefeitura de Angra, a questão da ausência do Ensino Médio foi apontado pelas lideranças (com apoio de grande número de jovens) como a principal causa da verdadeira pandemia de mutilações e suicídios nas aldeias, já que os jovens guaranis têm se separado (largando a família na aldeia) para irem estudar em outras cidades e até em outros estados da federação. Um absurdo!”

Sobre essa preocupante questão, Graciela Pagliaro, especialista em saúde indígena e membra do CEDIND-RJ, disse “temos esses casos de suicídio detectados e muitos outros jovens que foram salvos na hora que iriam tirar a própria vida. Sem estudar, eles ficam vulneráveis às questões graves de saúde mental e isso os afeta demais“.

Psiquiatra da infância e da adolescência, Tatiana Moya frisa que “seria importante a criação de politicas de educação e de saúde públicas que priorizassem e incentivasse a alocação, especialização e carreira de professores para as aldeias. Também seria interesse um programa de educação continuada e formação de professores específicos para estas populações, que estão expostas a muitos fatores vulnerabilizantes, uma vez que estão submetidas ao desafios da pobreza, da dependência química (álcool), dos processos de aculturação, da chegada dos celulares e telas e internet nestes locais, com todos os riscos que eles trazem (como artigo Publicado no NYT esta semana, que mostra a chegada de redes de internet da Starlink de Elon Musk, em regiões remotas das aldeias indígenas na Amazônia)”.

Situação foi parar na Justiça

No último dia 09/05, a 1ª Vara Federal de Angra dos Reis determinou que o Estado do Rio de Janeiro contrate (ou recontrate) professores para as aldeias indígenas de Angra e Paraty, no Rio de Janeiro. Os profissionais da educação nas aldeias Sapukai, Itaxi, Araponga e Rio Pequeno tiveram seus contratos encerrados no final do ano letivo de 2023 e não foram recontratados. Esses educadores davam aulas para os alunos do ensino fundamental na Sapukai.

A Justiça determinou o prazo de cinco dias úteis para o cumprimento da decisão.

Trechos da decisão

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou ação civil pública à Justiça Federal contra o Estado do Rio de Janeiro para a contratação imediata de professores do ensino fundamental para as escolas indígenas de quatro aldeias Guarani de Angra dos Reis e Paraty. Segundo a ação do MPF, os professores das aldeias Sapukai, Itaxi, Araponga e Rio Pequeno tiveram seus contratos encerrados no final do ano letivo de 2023 e ainda não foram recontratados.

A partir de denúncia feita pelo Conselho Estadual dos Direitos Indígenas, o MPF oficiou a Secretaria de Educação e a Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro para que comprovassem as providências adotadas para garantir aos alunos da educação indígena as aulas regulares do ano letivo de 2024. No entanto, não houve resposta.

Em inspeção judicial, realizada nas quatro aldeias Guarani em 15 e 16 de abril de 2024, foi possível verificar que, de fato, não havia aulas nas escolas indígenas por falta de professores.

Além disso, o último decreto estadual que autorizou a contratação de professores foi publicado em 28 de março de 2023 e a última resolução da Secretaria de Educação, que prorrogou os contratos até 31 de dezembro do ano passado, foi publicada em 25 de outubro.

O que diz a Seeduc

Procurada pela reportagem do DIÁRIO DO RIO, a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc-RJ) informou, no último dia 05/06, que “aguarda apenas a publicação do Decreto autorizando a contratação de professores que atenderão as escolas indígenas da rede estadual de ensino em sua totalidade. Para tanto, serão contratados professores de 22h para atuarem nas turmas de Ensino Fundamental (1° Segmento) e professores de 18h e 30h no Ensino Fundamental (2° Segmento) e no Ensino Médio. Feito isso, a Seeduc-RJ publicará no Diário Oficial o edital do Processo Seletivo Simplificado para a contratação dos professores“.

O Decreto nº49130 foi publicado no dia 06 de junho de 2024.

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Agora vamos ver como vai ficar, se vai sair do papel. Mesmo assim, nossas crianças e adolescentes ficaram quatro meses sem aula só nesse ano. Isso não é bom para eles“, comentou o cacique Argemiro.

Escrevendo para o futuro

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O texto da carta lida pelo jovem guarani. Foto: Felipe Lucena

Indígenas do Rio de Janeiro afirmaram à reportagem do DIÁRIO DO RIO que as escolas dentro das aldeias são de extrema importância não só para os estudos de crianças e adolescentes, mas também por servirem como espaços de encontros comunitários, de debates e até mesmo de alimentação em áreas mais precárias. Educação é sobrevivência.

Na carta citada no início da reportagem, os adolescentes pedem as aulas de ensino médio na Aldeia Sapukai falando “aqui estudamos para escrever nossa cultura e nosso modo de ver o mundo”. O texto termina dizendo que o sonho deles é chegar às universidades para ajudar o próprio povo. Educação é essencial para o futuro dos jovens indígenas do Rio de Janeiro. Educação olhando para o mundo além da aldeia, mas sem nunca perder o olhar para as raízes, a origem, a história.

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