Família do “Almirante Negro” da Revolta da Chibata busca reparação na justiça

A família do militar que se rebelou contra os castigos corporais que os marinheiros sofriam no início do século XX luta por reparação. Herói para muitos, João Cândido morreu na pobreza, em 1969, e será tema do enredo da Paraíso do Tuiuti em 2024

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Candinho, filho de João Cândido Felisberto / Foto: Fernando Frazão, Agência Brasil

Em novembro de 1910, um evento histórico marcante ocorreu quando aproximadamente dois mil marinheiros assumiram o controle de embarcações da Marinha Brasileira na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Sob a liderança do destemido marinheiro João Cândido Felisberto, eles ergueram uma voz em prol do fim dos castigos corporais, denunciando práticas brutais que se utilizavam na época para punir os marinheiros.

Os canhões das embarcações apontavam para a então capital do Brasil, não com a intenção de causar destruição, mas sim para chamar a atenção do país para a persistência dessas práticas cruéis. O estopim para a revolta foi a brutal punição infligida ao marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes, que recebeu 250 chibatadas como castigo.

A revolta dos marinheiros tomou proporções significativas e João Cândido emergiu como um herói e uma figura de destaque na sociedade. No entanto, à medida que o tempo passou, a revolta foi reprimida e sua importância foi, em grande parte, negligenciada por muitos anos.

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Embora os marinheiros sobreviventes tenham obtido anistia na época, João Cândido enfrentou uma perseguição implacável, que culminou em sua expulsão da Marinha em 1912. Ele passou seus anos posteriores em condições de pobreza, falecendo aos 89 anos, em 1969.

Hoje, a história de João Cândido é resgatada e compartilhada por seu único filho sobrevivente, Adalberto Cândido, conhecido carinhosamente como “Candinho”. Ele vê a história de seu pai como uma narrativa inspiradora e um testemunho do heroísmo popular que contribuiu para moldar a nação brasileira. Candinho destaca a importância de preservar a história de seu pai e considera João Cândido como um ícone nacional.

Um marco recente no reconhecimento de João Cândido é a construção da Casa de Memória Marinheiro João Cândido, em parceria entre a Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj) e a prefeitura de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, onde João Cândido nasceu e passou grande parte de sua vida. Esta iniciativa visa celebrar e perpetuar a memória do homem considerado por muitos um herói popular.

O reconhecimento da importância de João Cândido, também conhecido como “Almirante Negro“, é um processo recente, e ainda há muito a ser feito. A família continua lutando por reparação financeira do Estado e pela inclusão do nome de João Cândido no livro dos Heróis da Pátria, um registro que honra figuras históricas fundamentais na formação do Brasil. Este é um passo crucial para garantir que a contribuição de João Cândido para a história do país seja reconhecida oficialmente.

O marinheiro, nascido em 1880, era filho de escravos e ingressou na Marinha em uma época em que a instituição atraía muitos jovens socialmente excluídos, a maioria deles negros. Ele se destacou por seu talento e habilidade, chegando a ensinar oficiais e operar navios de alta tecnologia para a época, como o Minas Geraes, utilizado na Revolta da Chibata. João Cândido se dizia um defensor da justiça e da igualdade e se recusava a aceitar punições injustas infligidas a seus companheiros. A história dele foi, em grande parte, desconhecida por seu filho Candinho até após a morte de seu pai. Sua irmã, Zeelândia Cândido de Andrade, foi a guardiã da história e do legado de João Cândido. Candinho, que trabalhava arduamente, só teve a oportunidade de aprender sobre a vida e as realizações de seu pai depois do falecimento de ambos.

Recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) do Rio de Janeiro tomou medidas em defesa da reparação, inclusive financeira, à família de João Cândido. O MPF argumenta que, embora ele tenha sido anistiado duas vezes, em 2008, após sua morte ele não recebeu nenhuma compensação. Isso ocorreu apesar de uma carreira interrompida na Marinha que teria garantido diversos benefícios e renda a ele e à sua família. Um conjunto de leis respalda o direito à compensação, conforme destacado pelo MPF.

A família enfrenta dificuldades financeiras e aguarda ansiosamente a possível reparação do Estado. Além disso, eles lutam para que João Cândido seja oficialmente reconhecido como um herói e tenha seu nome inscrito no livro dos Heróis. O processo de inclusão está em andamento no Congresso Nacional e aguarda aprovação pela Câmara dos Deputados antes de ser sancionado pelo presidente.

O militar falecido é lembrado por muitos como um herói popular que lutou contra a injustiça e a opressão, e sua história será homenageada no carnaval de 2024 do Rio de Janeiro. A escola de samba Paraíso do Tuiuti apresentará o samba-enredo “Glória ao Almirante Negro“, em sua homenagem. Candinho e outros membros da família desfilarão em um dos carros alegóricos, celebrando o legado de seu pai e contribuindo para a preservação de sua memória e importância histórica.

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