A primeira rádio brasileira surgiu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, em 20 de abril de 1923. Por não possuir vínculos empresariais ou governamentais, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro nasceu como uma associação por inciativa de cientistas, professores, médicos, engenheiros e intelectuais da cidade, a partir de discussões entabuladas nos salões da jovem Academia Brasileira de Ciências (ABC).
O veículo teve nas figuras de Henrique Morize e Edgar Roquette-Pinto – seu principal entusiasta, os propulsores do empreendimento, que teve a sua primeira transmissão realizada, em 1º de maio de 1923, Dia do Trabalho -, em caráter experimental. Na ocasião foi utilizado o prefixo PR1-A, posteriormente foram usados os prefixos PRA-A e PRA-2. As despesas da rádio eram pagas pelos chamados filiados por meio de contribuições mensais.
O empenho de Roquette-Pinto para colocar a rádio em funcionamento não conheceu limites. O médico-legista, antropólogo, professor e etnólogo via a Rádio Sociedade como um instrumento de formação educacional e divulgação de conhecimento científico e cultural da população espraiada por toda extensão do território brasileiro. Assim, Roquette-Pinto tomou a frente das providências necessárias para a abertura e funcionamento da rádio, como a elaboração de um estatuto no qual constava uma cláusula proibitiva de transmissão de conteúdos comerciais, religiosos, de prática ou propaganda política. Ele também cuidou para que a Rádio Sociedade fosse instalada no antigo “Pavilhão Tchecoslovaco”, da Exposição Internacional do Centenário da Independência de 1922, na Av. das Nações, em setembro de 1924. Também foi Roquette-Pinto quem cunhou o slogan da emissora: “Pela cultura dos que vivem em nossa terra e pelo progresso do Brasil”.
Por sua participação intensa na criação do veículo, Edgard Roquette-Pinto impôs sua marca indelével à Rádio Sociedade, onde atuou em praticamente todas as frentes, desde a produção, passando pela programação, apresentação de programas e jornais, além de leituras de poesias e outras obras. Para ele, o “rádio era a escola de quem não tinha escola”.
Com uma programação diária pautada na diversidade, a Rádio Sociedade transmitia cursos, lições, palestras científicas seriadas e quartos de hora, com temas literários e infantis. A programação contava ainda com palestras para senhoras, histórias com conteúdo ético para crianças, aconselhamentos médicos, dicas de higiene, e informações sobre agricultura.
Roquette-Pinto teve ainda o cuidado de divulgar o conteúdo da programação radiofônica em um veículo de comunicação impresso: a revista Rádio, publicada entre 1923 e 1926, ano em que passou a ser editada a revista Electron. As publicações contavam com duas edições mensais, de aproximadamente 48 páginas cada uma e eram distribuídas aos associados e comercializadas em vários estados brasileiros. A identidade visual da rádio não foi esquecida e estava sintetizada na bandeira, no hino e o carimbo com sua insígnia.
Com o sucesso da Rádio Sociedade outros veículos surgiram, especialmente de caráter comercial. No final da década de 1920, o presidente Arthur Bernardes sancionou o Decreto nº 16.657/24, regulamentando as atividades de comunicação no Brasil, com o intuito de coibir a veiculação de conteúdo político, sem a prévia permissão do governo.
Em 1931, foi a vez do presidente Getúlio Vargas entrar em ação através do Decreto nº 20.047, por meio do qual os serviços de radiocomunicação brasileiros sofreram uma nova regulamentação, passando a ser considerados de interesse nacional e de finalidade educacional. A iniciativa getulista visava controlar o setor de radiodifusão, inclusive as emissoras de perfil eminentemente educacional. Mas Getúlio não parou por aí. Em 1932, fez uma nova investida através do Decreto nº 21.111, voltado para a regulamentação do funcionamento técnico da radiodifusão no Brasil. Por meio dele impôs a modernização dos equipamentos das emissoras para estabilizar as frequências e melhorar as transmissões, o que demandou um grande esforço de captação de recursos financeiros por parte emissoras, levando muitas delas ao encerramento das atividades. O decreto getulista impôs ainda a veiculação de um programa nacional, com editorial estritamente governamental, além de liberar a propaganda comercial nas emissoras.
As investidas do governo do brasileiro foram de encontro ao projeto de Roquette-Pinto, cujo foco não era comercial. Para não desvirtuar o perfil cultural e educacional da Rádio Sociedade, Edgar Roquette-Pinto decidiu doá-la ao Ministério da Educação e Saúde, que tinha à frente o ministro Gustavo Capanema. A doação foi realizada durante uma cerimônia realizada em 7 de setembro de 1936, quando a rádio passou a se chamar rádio Ministério da Educação, popularmente Rádio Ministério e, posteriormente, Rádio MEC.
Durante os 13 anos de sua existência, a Rádio Sociedade viveu momentos gloriosos, veiculando uma programação diferenciada e diversificada, com a participação de grandes personalidades nacionais e internacionais da época, além de intelectuais de renome. Entre os nomes de destaque estão Albert Einstein e Mary Curie. A rádio foi ainda a primeira emissora da América do Sul a veicular uma ópera completa, um quadro com teatro infantil e um programa de jazz, regularmente.
Com mais de 5 mil itens, o acervo da Rádio Sociedade reúne partituras, atas, cartas de leitores, livros de registros, algumas fotografias e a bandeira da instituição. Há ainda reportagens publicadas nos jornais e revistas especializadas em radiodifusão da época. A maior parte do acervo, no entanto, é formada por mais de quatro mil gravações de ouvintes da rádio. O material tem passado por restauração para ser disponibilizado ao público em geral.
As informações são da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A imagem é da revista eletrônica de jornalismo científico Com Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).