Nesta quarta-feira (25/09), Edgard Roquette-Pinto, fundador da radiodifusão no Brasil e patrono da comunicação pública, completaria 140 anos. Nascido no Rio de Janeiro em 1884, Roquette-Pinto foi médico, antropólogo e escritor, dedicando sua vida à promoção da comunicação voltada para a educação e a cultura do povo brasileiro.
Antes de criar a primeira emissora de rádio do país, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, ele percorreu diversas regiões do país. Como jovem médico recém-formado, trabalhou com o Marechal Cândido Rondon, explorando o Norte e o Oeste do Brasil, ainda pouco conhecidos.
O professor de comunicação e jornalista há mais de cinquenta anos, Gabriel Priolli, conta que foi ao observar Rondon espalhar linhas de telégrafo que Roquette-Pinto pensou que o aparelho poderia servir para a educação à distância. A ideia foi colocada em prática um ano após a celebração do primeiro centenário da Independência, em 1922, quando a radiotelegrafia chegou ao Brasil.
“Edgar Roquette-Pinto é o iniciador da comunicação pública do país, da comunicação feita para educar, para a educação e para a cultura. Ele achava que os meios de comunicação são um bem muito precioso e que devem se dizer servir à educação do povo, antes de qualquer outra coisa, mais importante do que entreter”, afirma Priolli.
Roquette-Pinto viveu até os 70 anos e faleceu após uma parada cardíaca, deixando um legado duradouro na comunicação e na educação brasileira. Foi fundador da Academia Brasileira de Ciências, diretor do Museu Nacional e criador do Instituto Nacional do Cinema Educativo. Ao celebrar seus 140 anos de nascimento, seu impacto permanece vivo nas ondas do rádio e nas novas gerações.
A Fundação da Rádio
Em 20 de abril de 1923, Edgard Roquette-Pinto fundou a primeira emissora oficial do Brasil, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Sem vínculos empresariais ou governamentais, a rádio nasceu como uma associação formada por cientistas, professores, médicos, engenheiros e intelectuais, a partir de discussões nos salões da jovem Academia Brasileira de Ciências (ABC).
O veículo teve nas figuras de Henrique Morize e Edgar Roquette-Pinto – seu principal entusiasta, os propulsores do empreendimento, que teve a sua primeira transmissão realizada, em 1º de maio de 1923, Dia do Trabalho -, em caráter experimental. Na ocasião foi utilizado o prefixo PR1-A, posteriormente foram usados os prefixos PRA-A e PRA-2. As despesas da rádio eram custeadas pelos filiados, por meio de contribuições mensais.
O empenho de Roquette-Pinto para colocar a rádio em funcionamento foi inigualável. Ele observava a Rádio Sociedade como um instrumento de formação educacional e divulgação de conhecimento científico e cultural para a população. Para garantir essa missão, elaborou um estatuto que proibia a transmissão de conteúdos comerciais, religiosos ou de propaganda política. A rádio foi instalada no antigo “Pavilhão Tchecoslovaco”, da Exposição Internacional do Centenário da Independência de 1922, na Avenida das Nações, em setembro de 1924. Também foi Roquette-Pinto quem cunhou o slogan da emissora: “Pela cultura dos que vivem em nossa terra e pelo progresso do Brasil”.
Por sua participação intensa na criação do veículo, Edgard Roquette-Pinto impôs sua marca indelével à Rádio Sociedade, onde atuou em praticamente todas as frentes, desde a produção, passando pela programação, apresentação de programas e jornais, além de leituras de poesias e outras obras. Para ele, o “rádio era a escola de quem não tinha escola”.
Com uma programação variada, a Rádio Sociedade transmitia cursos, lições, palestras científicas e conteúdos literários e infantis. O conteúdo incluía palestras para senhoras, histórias com conteúdo ético para crianças, conselhos médicos, dicas de higiene e informações sobre agricultura. Roquette-Pinto ainda promoveu a divulgação da programação em um veículo impresso: a revista “Rádio”, publicada entre 1923 e 1926, que depois se transformou na revista “Electron”, focada na nova tecnologia do rádio, incluindo diagramas de receptores da época. Foi a primeira revista do segmento no país, com duas edições mensais de aproximadamente 48 páginas cada, distribuídas a associados e comercializadas em diversos estados.
O sucesso da Rádio Sociedade impulsionou o surgimento de outros veículos, especialmente comerciais. No final da década de 1920, o presidente Arthur Bernardes sancionou o Decreto nº 16.657/24, regulamentando a comunicação no país e com o intuito de coibir a veiculação de conteúdo político, sem a prévia permissão do governo.
Em 1931, o presidente Getúlio Vargas tomou medidas através do Decreto nº 20.047, por meio do qual os serviços de radiocomunicação brasileiros sofreram uma nova regulamentação, passando a ser considerados de interesse nacional e de finalidade educacional. A iniciativa getulista visava controlar o setor de radiodifusão, inclusive as emissoras de perfil eminentemente educacional.
Já em 1932, Getúlio fez uma nova investida através do Decreto nº 21.111, voltado para a regulamentação do funcionamento técnico da radiodifusão no Brasil. Por meio dele exigiu a modernização dos equipamentos das emissoras para estabilizar as frequências e aprimorar as transmissões, um esforço que demandou significativa captação de recursos financeiros, resultando no fechamento de vários negócios. O decreto getulista impôs ainda a veiculação de um programa nacional, com editorial estritamente governamental, além de liberar a propaganda comercial nas emissoras.
Assim, em 1936, os aparelhos de rádio já podiam ser comprados em lojas do ramo. Nesse mesmo ano, a Sociedade Rádio do Rio de Janeiro foi doada ao Ministério da Educação e Saúde, que tinha como titular Gustavo Capanema. Ele comunicou a Roquette-Pinto que a rádio seria incorporada ao Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (mais tarde, em 1939, desse departamento surgiria o DIP), órgão responsável pela censura durante parte do governo de Getúlio Vargas.
Em resposta, Roquette-Pinto insistiu que a emissora fosse incorporada ao Ministério da Educação e Saúde, a fim de preservar a função educativa, e ganhou a disputa. A doação ocorreu em 7 de setembro de 1936, quando a rádio passou a se chamar Rádio Ministério da Educação, popularmente conhecida como Rádio MEC, mantendo até hoje o ideário educativo.
“Ao invés de vender a concessão que ele tinha, o canal que tinha, ganhar dinheiro com isso, vender para algum empresário, ele doou a emissora para o governo, para o Ministério da Educação, em 1936. A única condição que ele fez é que o governo jamais tivesse publicidade na estação dele”, comenta o professor de Comunicação Gabriel Priolli.
A Rádio MEC é reconhecida pelo público por sua programação dedicada à música clássica e programas culturais. A emissora dedica 80% de sua programação à música de concerto e leva ao ar compositores brasileiros e internacionais de todos os tempos. Desde 2007, ela é gerida pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Em 5 de julho de 2022, ela foi declarada Patrimônio Histórico e Cultural Imaterial do Rio de Janeiro.
“Toda essa história é marcada por grandes coberturas, valorização da cultura e da educação e programação musical que privilegia a cena brasileira”, destaca o gerente executivo das Rádios EBC, Thiago Regotto.
Em 1952, com a finalidade de ampliar o número de emissoras na capital federal – as TVs Tupi de São Paulo e do Rio já estavam em funcionamento -, Getúlio Vargas concedeu a Roquette-Pinto um canal de televisão.
No entanto, a TV Educativa de Roquette-Pinto nunca saiu do papel. Edgard Roquette-Pinto morreria amargurado dois meses após o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954.
Legado Duradouro
Durante os 13 anos de sua existência, a Rádio Sociedade viveu momentos gloriosos, veiculando uma programação diferenciada e diversificada, com a participação de grandes personalidades nacionais e internacionais da época, além de intelectuais de renome. Entre os nomes de destaque estão Albert Einstein e Mary Curie. A rádio foi ainda a primeira emissora da América do Sul a veicular uma ópera completa, um quadro com teatro infantil e um programa de jazz, regularmente.
Com mais de 5 mil itens, o acervo da Rádio Sociedade reúne partituras, atas, cartas de leitores, livros de registros, algumas fotografias e a bandeira da instituição. Há ainda reportagens publicadas nos jornais e revistas especializadas em radiodifusão da época. A maior parte do acervo, entretanto, é formado por mais de quatro mil gravações de ouvintes da rádio. O material tem passado por restauração para ser disponibilizado ao público em geral.
Roquette-Pinto também foi radioamador e participou de várias associações da categoria, como a Liga dos Amadores Brasileiros de Rádio Emissão (Labre). Na Academia Brasileira de Letras, ocupou a Cadeira 17, sucedendo Osório Duque-Estrada, sendo eleito em 20 de outubro de 1927.
Ele também é homenageado pela Academia Brasileira de Médicos Escritores como patrono da Cadeira 33, cujo fundador é o médico paulista Helio Begliomini. Embora pesquisadores apontem seu envolvimento com o movimento eugenista, destacam que ele defendia a inclusão de negros e mestiços no processo de “aperfeiçoamento” da nação brasileira.
Com informações da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Agência Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da matéria de Patrícia Lima, publicada no Diário do Rio. A imagem pertence à revista eletrônica de jornalismo científico Com Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).