Há quarenta anos fazendo fantasias com materiais recicláveis, ex-empregada doméstica se destaca em concursos e tem fotos espalhadas pelo mundo

Eliana Alves Fernandes, de 68 anos de idade, começou a se fantasiar em 1984 para participar de corridas e nunca mais parou de criar suas originais roupas

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Eliana no concurso Glorioso Mergulho, na Prainha da Glória. Foto: Felipe Lucena

Por um daqueles acasos que só o Carnaval consegue de proporcionar, no domingo do dia 18/02, fui parar no Glorioso Mergulho, um concurso de fantasias que aconteceu na Prainha da Glória. Em sua primeira edição, o evento resgata a antiga tradição de disputa de roupas criativas para os dias de folia na cidade do Rio de Janeiro – com tudo terminando em banho de mar. Eu estava com meu amigo Thiago Costa, que ficou conhecido como “homem karaokê” nos dias de festejo do Rei Momo neste ano de 2024. Ele, também desavisado, acabou entrando na competição na categoria voto popular. Entre os participantes estava Eliana Alves Fernandes, de 68 anos de idade, que saiu com o prêmio hors-concours, inquestionável pelo júri e empolgado público presente.

Toda vestida com latas de alumínio, Eliana chegou com seu pandeiro – feito pelo mesmo material – e muito assunto para trocar com quem estrava nas areias do bairro da Glória, do ladinho do Aterro do Flamengo, naquela ensolarada tarde de domingo (supostamente) de pós-carnaval. Atração do evento, ela subiu ao palco, colocou faixa, pediu música e fez a festa. Ganhou como prêmio um jantar para 10 pessoas em um restaurante. Pela quantidade de amigos que fez somente no dia do concurso, teve trabalho para escolher os acompanhantes. A fama tem dessas coisas.

Eliana começou a fazer fantasias com materiais recicláveis em 1984. “Eu passei a participar de corridas em 1983, aí fui inventando umas coisas para chamar a atenção nas competições. Tive a ideia de correr fantasiada e em 1984, fiz a primeira, de latinhas, para a Corrida pela Paz”, conta.

Aposentada, Eliana foi empregada doméstica e cuidadora. “Estudei até a quarta série. Não tenho muita instrução. Eu trabalhei com o que aparecia”, disse ela, que não usa só latinhas de alumínio para criar suas fantasias, mas também garrafas, sacos plásticos, canudos, tampinhas de garrafa. “Uma vez, fiz uma peruca com mais de 200 tampas”.

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Fantasia de pierrot feita por Eliana. Foto: arquivo pessoal

Em média, as fantasias feitas com latas levam mais de 500 latinhas. Ela cata o material, limpa, deixa no sol para secar e faz toda a confecção em casa, com as próprias mãos. Prende tudo com arame. Leva cerca de quatro meses em cada criação. A inspiração vem ou do próprio material ou de algum tema que esteja sendo bastante falado. São muitas ideias. Fez sobre a luta contra o racismo, em homenagem às Olímpiadas, Ayrton Sena, Carmem Miranda – essa foi criada em 1996, ganhou um prêmio da Prefeitura do Rio, foi parar no museu da cantora e depois foi usada novamente, em 2020, na Sapucaí.

“A da Carmem Miranda tem foto no mundo todo. Eu estava no Setor 1, na arquibancada do Sambódromo, e muita gente tirou foto minha, me entrevistaram. De 2018 para cá, eu fiquei mais famosa. Muita gente fala das minhas fantasias, chama para exposição, concursos. Acho que é porque estão falando mais sobre reciclagem“.

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Foto: Beatriz Perez/Agência O Dia

Atualmente, a artista tem mais ou menos 25 fantasias prontas, que ficam divididas entre Búzios e Engenho de Dentro, na Zona Norte da cidade do Rio, onde passa parte do ano com sua irmã Maria José. Irmã e única forma de falar com Eliana ao telefone. “Só tenho e-mail, não gosto muito de celular”. Conversei com Eliana no dia do concurso na Glória e fiquei tentando alguns dias falar novamente por telefone, porém com pouco sucesso. Maria atendia as ligações e nunca conseguia repassar porque “você já viu que ela gosta de rua, né?”.

Enfim, consegui. Quase uma hora de conversa ao telefone não é o suficiente para saber tudo sobre uma história, no entanto, tendo muito para contar, Eliana foi narrando boa parte de sua vida. Ela sempre participa de concursos de fantasias. De vários. “O da Riotur, disputo há mais de 25 anos”. Este ano, venceu o do bloco Loucura Suburbana, que acontece no Hospital Nise da Silveira, no Engenho de Dentro.

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Foto: Reprodução Instagram

Sempre que pode, vai aos lugares fantasiada. Sapucaí, estádios de futebol. Como é de se esperar, chama a atenção por onde passa e não esconde a felicidade de ter seu trabalho visto e reconhecido. “É muito legal, muito maneiro, as pessoas elogiarem minhas fantasias. Gosto muito disso. Outro dia, eu vi que estava no Google com umas fotos das roupas que fiz. Estou famosa“, sorriu.

Fotos das fantasias feitas por Eliana circulam por todo o mundo. Ela lembra de registros publicados no Canadá, países da Europa, Japão. “É tanta coisa que eu esqueço”, declara a artista.

Um das fantasias-homenagem que Eliana fez foi inspirada na obra do pintor Romero Brito. “Eu comprei, num brechó, um sapato que tinha um desenho dele. Aí, descobri que ele é muito famoso e fiz uma roupa com essa ideia”.

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Eliana e o Thiago Costa, o “homem karaokê” do Carnaval do Rio. Foto: Felipe Lucena

Conversando com a artista ao telefone, ela me disse que gostou muito do concurso realizado na Prainha da Glória, pois muita gente foi cumprimentá-la devido à sua fantasia. “Até o rapaz vestido de karaokê, que apareceu no programa da Ana Maria Braga, foi falar comigo“. Sim, ela estava se referindo ao meu amigo Thiago. No palco do Glorioso Mergulho, na hora de receber o prêmio, fez discurso e pediu uma música do cantor Thiaguinho. O som do evento deu algum problema e acabou não tocando. Restou ao ”homem karaokê” colocar a canção para tocar. Não deu para microfonar, mas rolou mesmo assim. Eliana pegou o pandeiro feito de latinhas de alumínio e agradeceu ao júri e púbico presentes pelo reconhecimento de sua criativa e cada vez mais famosa arte. Sucesso total.

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3 COMENTÁRIOS

  1. Meu amigo Felipe Lucena, sempre por dentro das melhores e mais bacanas notícias! Quero muito você meu mais querido amigo brasileiro. Beijos e abraços desde Mar del Plata Argentina.

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