O Giancarlo Zeni, grande amigo e que possui um cachorro bipolar, me indicou este texto dele em que conta um pouco da história demográfica do Rio de Janeiro e, o melhor, me liberou para usar aqui no Diário do Rio. O texto está simplíssimo e bem resumido, vale a leitura para todos que amam e querem conhecer mais sobre o Rio de Janeiro.
Desde o século XVIII o carioca sofre com a falta de espaço e vai empurrando a cidade para o Oeste. Inicialmente, o Rio era dividido não em bairros, mas em freguesias que eram áreas de abrangência das paróquia. Como os sacramentos valiam como registro civil, acabaram virando, além de divisões eclesiásticas, delimitações administrativas. O conceito de bairro, no Rio, só foi aparecendo da década de 1830 em diante, mas as freguesias só perderam sua importância referencial quase cem anos depois.
Nossa Senhora da Conceição da GÁVEA: Jardim Botânico, Gávea, Lagoa, Ipanema, Leblon, São Conrado, Joá.
Até a chegada da família real, em 1808, todos viviam no Centro da cidade; as classes sócio-econômicas se misturavam muito, mas as melhores freguesias eram Santo Antonio, Sacramento e São José. Os mais pobres viviam no Mata-Porcos, via entre Santo Antonio e Espírito Santo, hoje Mem de Sá / Salvador de Sá.
Com a chegada da família real, Elias Antonio Lopes, comerciante português proprietário de uma Quinta em São Cristóvão, doou sua residência ao então Príncipe-Regete D. João. Isto fez com que a nobreza da terra e de Portugal se instalasse ou construísse palacetes na área. São Cristóvão virou o primeiro bairro nobre do Rio, e tal condição perdurou até meados da década de 1870 – o bairro acompanhou a decadência da Monarquia.
Por outro lado, D. Carlota Joaquina se estabeleceu na freguesia da Glória, na localidade de Laranjeiras. Isso levou muitos nobres e proprietários ricos, sobretudo estrangeiros, a se instalarem em chácaras na região de mata exuberante, nos atuais Catete, Laranjeiras e Cosme Velho. A atual Glória passou a sediar palacetes, em ambiente mais urbano. As regiões supracitadas do centro continuavam valorizadas, e o grosso do comércio e dos serviços – sofisticados e essenciais – continuava lá.
A partir da década de 1850, a aristocracia cafeeira começou a ocupar grandes chácaras no Engenho Velho (que tinha, então, o melhor clima da cidade), que era "feudo" das famílias Mesquita (Barão de Mesquita, Conde de Bonfim, Barão de Itacuruçá) e Souza (Barões do Andaraí). O próprio Duque de Caxias vivia em um palacete onde foi a Mesbla e hoje é um supermercado Sendas, na rua Conde de Bonfim. Engenho Velho, São Cristóvão e as freguesias do Centro eram os locais que concentravam as famílias tradicionais, de nobreza velha.
Os novos ricos, que já ocupavam principalmente o Catete e a Glória, começaram a se mudar para um antigo bairro de pescadores, totalmente urbanizado e planejado na década de 1880: Botafogo. Palacetes em estilo francês em centro de terreno (terrenos urbanos, e não chácaras como no Engenho Velho), quarteirões bem definidos e quadrados, ruas pavimentadas, calçadas largas e ajardinadas, belos e exuberantes jardins na orla do bairro… Tudo enunciava a Paris dos Trópicos que viria nos primeiros anos da República.
No ano de 1889, Proclamação da República. A Família Imperial é enxotada, a grande nobreza já é decadente. Os grandes comerciantes, joalheiros, médicos e industriais se firmavam como a nova elite do Rio. Vão se mudando aos poucos todos para Botafogo, bem como as família tradicionais remanescentes (que ainda não haviam se mudado para o vizinho aristocrático, o Flamengo, onde pululavam palacetes novos mas ainda não havia a noção de centro de terreno e calçadas), sepultando aos poucos São Cristóvão e o Engenho Velho. O Catete também toma novos ares com a compra do palacete do Conde de Nova Friburgo, Antonio Clemente Pinto, para servir de nova sede do Governo; com isso, grande parte dos políticos passa a morar nas proximidades do Palácio. A Glória decai, e vai se transformando em bairro intelectual e boêmio.
Na década de 1920, o carioca já se esqueceu das freguesias e os bairros já "pegaram"; se inicia a ocupação efetiva de Copacabana e Ipanema. Estrangeiros e visionários, de famílias antigas ou não – mas em geral todos endinheirados – vão construindo casarões no areal. Copacabana já nasce luxuosa, tradicional, com o Copacabana Palace e o Edifício São Lélis, na esquina de Atlântica com Barão de Ipanema – um edifício de veraneio para Generais. Na década de 1930, a Medicina começa a sugerir banhos de mar como terapia: é a deixa para que o Engenho Velho migre, em massa, para a Princesinha do Mar, que na década de 1940 já é o mais verticalizado dos bairros cariocas.
Nas décadas de 1940 e 1950, São Cristóvão é decadência total. Rio Comprido, seu substituto, ainda é um bairro bucólico, escondido; preferido dos alemães e ingleses, tem um perfil mais urbano e menos aristocrático que o Engenho Velho, tendo dado lugar, por isso, a uma classe média crescente. No vizinho mais nobre, enquanto isso, as casas pouco a pouco são derrubadas e surgem os primeiros edifícios de apartamentos. Vila Isabel também desponta como bairro de classe média. Com o tempo, Rio Comprido e Vila Isabel estendem sua natureza ao vizinho ex-aristocrático, pululando edifícios e demolindo casas em ritmo acelerado.
Com o auge de Copacabana, Botafogo entra em colapso; não tem o charme do vizinho Flamengo, muito menos o encanto da Praia oceânica. Mingua. Expia sua condição até fins da década de 1990, quando começa a se reerguer. Vira lar de cabeças-de-porco, edifícios com centenas de conjugados – um pouso na Capital Federal para a classe média do Brasil a fora. Enquanto a avenida Rui Barbosa despontou como enclave de prédios de luxo desde a década de 1930 e nunca perdeu seu status, só dois edifícios assim foram construídos na Praia de Botafogo: o Caparaó e o Corcovado, ainda hoje lares de muitas famílias tradicionais do Rio.
Em 1960, Ipanema começa a ganhar charme, quando uma certa garota seduz Vinícius e Tom…Daí em diante, todos conhecem bem a história!