Os blocos já estão nas ruas do Rio de Janeiro para o carnaval deste ano. Difícil seria imaginar o contrário. A folia que toma conta da Cidade Maravilhosa já é uma marca mais que registrada da festa. O fato de as ruas, avenidas e praças serem palcos dos quatro dias mais felizes do ano há mais de um século contribui muito para isso.
Enquanto a cidade do Rio de Janeiro comemora 450 anos, o carnaval nas ruas da Cidade Maravilhosa celebra 126 verões. O início dessa história foi aquecido por algumas tensões que resultaram em reuniões democráticas que atraem e misturam todos os naipes de pessoas atrás, ao lado, em frente ou em cima dos blocos.
Em 1840, a alta sociedade carioca começou a realizar bailes de carnaval. Inspirados nas festas que aconteciam na Europa, os encontros eram fartos de bebidas e e embalados por ritmos oriundos do Velho Continente. Enquanto isso, nas ruas da cidade, milhares de foliões brincavam o entrudo – festa portuguesa em que pessoas fantasiadas dançam e jogam limões de cheiro, farinha ou água uns nos outros.
No caminho para esses bailes de carnaval, a elite carioca desfilava com suas roupas de luxo em carruagens abertas e passava pelas ruas onde aconteciam as festas populares. Esse encontro de distintos grupos contribuiu para uma espécie de fusão. Com isso, a folia burguesa incorporou elementos da festa popular e vice e versa.
De acordo com alguns historiadores, no ano de 1889 foram datados os primeiros registros de blocos carnavalescos licenciados pela polícia no Rio de Janeiro. Os blocos eram: Grupo Carnavalesco São Cristóvão, Bumba meu Boi, Estrela da Mocidade, Corações de Ouro, Recreio dos Inocentes, Um Grupo de Máscaras, Novo Clube Terpsícoro, Guarani, Piratas do Amor, Bondengó, Zé Pereira, Lanceiros, Guaranis da Cidade Nova, Prazer da Providência, Teimosos do Catete, Prazer do Livramento, Filhos de Satã e Crianças de Família. Isso se deu um ano após a abolição da escravatura, dando um caráter ainda mais libertador ao carnaval de rua do Rio.
A partir daí a folia de rua não perdeu mais o rumo e conseguiu como resultado possibilitar o encontro de todo tipo de gente em blocos dos mais variados ritmos e gêneros musicais. Neste ano, cerca de 500 blocos sairão no Rio de Janeiro.
Nos últimos anos, com o crescimento de blocos menores e o fortalecimento dos mais tradicionais, um discurso que frisa uma “retomada” do carnaval de rua foi adotado por muita gente. Entretanto, essa afirmação incomoda alguns historiadores: “O carnaval de rua no Rio nunca deixou de existir. Na zona norte, por exemplo, os moradores colocam suas cadeiras nas calçadas e vestem seus filhos para batalhas de confete e outras brincadeiras. Os Clóvis sempre existiram na zona oeste. Falar em retomar é uma visão um pouco restrita” conta o historiador Luiz Antonio Simas. Simas ainda emenda refletindo sobre a relação histórica que os quatro dias de folia têm com a cidade:
“É necessário lembrar que o carnaval, para uma parte dos cariocas, sempre teve a dimensão de ser um tempo de subversão da cidadania roubada. Inventamos na rua a cidade negada nos gabinetes poderosos, sobretudo no contexto de transição entre o trabalho escravo e o trabalho livre, nos últimos anos da monarquia e nos primeiros da república, quando a festa ganhou contornos populares mais contundentes e uma parte significativa dela passou a ser um canal de expressão de descendentes de escravos. A partir daí a festa confunde-se com a própria história da cidade, como é até os dias atuais. Entrudos, corsos, batalhas de confetes e flores, blocos de arenga, rodas de pernada, ranchos, cordões, grandes sociedades, bailes de mascarados, escolas de samba, onças do Catumbi e caciques de Ramos, simpatias e suvacos balzaquianos, bate-bolas suburbanos e centenárias bolas pretas, dão pistas para se entender como as tensões sociais – disfarçadas ou exacerbadas em festas – bordam as histórias desse terreiro de São Sebastião/Oxóssi”.