Jackson: O Rio de Janeiro – O Rio de Tim Lopes

O colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre o novo documentário "Onde está Tim Lopes"

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Foto: Reprodução da Internet

Sofri um forte impacto na minha consciência cidadã ao assistir “Onde está Tim Lopes”, documentário veiculado pelo canal Globoplay. O repórter Bruno Quintella, filho do Tim, fez o roteiro e dirigiu a obra, que chega à tela quando é intenso o debate sobre democracia, palavra que submetida a qualquer conceito é, no Brasil e, em especial, na Cidade do Rio de Janeiro, um privilégio para poucos, incluídos aqueles que, no momento, debatem e reagem às decisões de inelegibilidades e às indiscutíveis afrontas à liberdade de expressão.

No documentário, o Instrutor de surfe, Mateus Ribeiro, residente no Complexo da Maré, um jovem com pouco mais de 23 anos, declara que, no Rio de Janeiro, cumpre o roteiro de duas dicas que recebeu de gente mais experiente:  “Por exemplo”, diz ele, “não correr…Infelizmente, a gente não pode correr atrás do ônibus. Se o negro está correndo ou é porque está correndo de alguém ou atrás de alguém. Outra dica é: quando entrar numa loja não fique mexendo muito na bolsa ou nos bolsos, porque as pessoas vão pensar que você está escondendo alguma coisa roubada.” E continuou: “A gente defende-se do perigo que o outro vê na gente.”

O documentário me fez lembrar de um fato reconhecido e aceito com naturalidade: existem na cidade referência do Brasil para o mundo, pessoas que moram em lugares onde a lei não chega e a norma de vida é imposta por criminosos; locais onde os representantes dos togados não entram e os fardados são recebidos com tiros e ameaças às próprias vidas. Riscos aos quais estão sujeitos jornalistas, que são os representantes da liberdade de expressão numa democracia. Tão ou mais importantes quanto os usuários das mídias digitais.

O surfista Mateus diz: “A gente da comunidade tem a sensação de que quando não tem polícia na favela, a vida está tranquila. Mas, quando a polícia entra é que a gente tem medo, porque um policial sem mandado pode chegar na nossa casa numa ação com muita violência”. E a gente sabe e pode imaginar também com o medo que, certamente, também têm policiais quando são convocados para cumprir missões nessas comunidades.

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O documentário também me levou a lembrar que a Comunidade de Rio das Pedras, um monstro urbano, não nasceu do tamanho em que se encontra. É evidente! A milícia deu a arrancada, a busca de gente pobre por moradia e a política ajudaram, enquanto os governos fingiram não ver. Tim Lopes e o repórter fotógrafo Marcos Tristão estiveram lá no início. Tim disfarçado de “sem teto”. Eles produziram a matéria “Vende-se uma favela na Barra da Tijuca”, publicada pelo jornal O DIA, na edição de 06.10.1991, tempo em que Marcello Alencar estava na Prefeitura do Rio e César Maia, preparando-se para chegar lá. Quando chegou, destacou Eduardo Paes para cuidar da região.

A existência do Nadinho de Rio das Pedras não está no documentário, mas na minha memória sim, como o primeiro miliciano filiado a um partido político, PFL, ato que autorizou-lhe ser candidato a vereador no Rio de Janeiro e ser eleito. E ele nem precisou enganar quem assinou-lhe a ficha de filiação, pois a cidade toda sabia quem era ele e o que fazia.

A naturalidade com que convivemos com tudo isso é o maior problema da nossa cidade. O repórter Ricardo Beliel, que com Tim Lopes fez uma longa e premiada matéria para a revista Placar sobre Castor de Andrade (“O Poderoso Castor”), conta: “Nós tínhamos uma intimidade tão grande com o Castor, que ele nos convidou a ir na fortaleza do jogo do bicho lá em Bangu, e se deixou fotografar, sentado sobre a mesa do contador, com pilhas de dinheiro, e ao lado desse senhor que era o contador…não me lembro o nome dele…essa pessoa, depois, é que, ao ser preso, denunciou – fez uma declaração premiada à Frossard, Denise Frossard, e entregou o Castor de Andrade”.

O documentário tem beleza, tem histórias de vida, tem carnaval, tem o Vasco da Gama de Eduardo Paes, tem a lembrança do “Pai Santana”, com uma passagem bem engraçada.  Vale a pena assistir para que se possa entender melhor uma cidade que nega à boa parte de sua população uma vida digna e acesso ao que há de melhor nos regimes democráticos.

Tim Lopes foi um sujeito maravilhoso e é bom a gente lembrar dele, sem esquecer quem e por que motivo, tirou-lhe a vida. Elias Maluco está presente, de passagem, no documentário.

No museu Lincoln, colocado no cinema onde o presidente foi assassinato – nas paredes laterais dos corredores – estão registrados os últimos momentos dele e do assassino que lhe tirou a vida. Nisso os americanos são especiais. Eles levam você a não esquecer os atos dos heróis nem dos vilões, para que o povo possa louvar quem mereça louvores e abominar que deva ser abominado.

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Formado em Ciências Econômicas na Universidade Católica de Brasília e Ciência Política na UNB, fez carreira com dezenas de cases de campanhas eleitorais majoritárias e proporcionais. É autor de, entre outros, “Que raios de eleição é essa”, Bíblia do marketing político.
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4 COMENTÁRIOS

  1. Focarei em três coisas: 1- Tim Lopes foi um grande exemplo de jornalista e de cidadão e seu legado permanece presente através das formas de realizar o jornalismo investigativo. 2- O articulista conseguiu distorcer o argumento do entrevistado pelo documentário. Nesse trecho “A gente da comunidade tem a sensação de que quando não tem polícia na favela, a vida está tranquila. Mas, quando a polícia entra é que a gente tem medo, porque um policial sem mandado pode chegar na nossa casa numa ação com muita violência”, ele ignorou a parte em que o cidadão critica os atos ilícitos cometidos por policiais e foca apenas em argumentos que coloquem toda a polícia como coitados que só fazem o trabalho e são injustamente atacados. Ao fazer isso, ele ignora uma banda podre que existe em diversas instituições e que comete crimes terríveis. 3- Que fofo o autor do artigo fazer críticas a certas organizações como milícias. Nem parece que arquitetou a campanha de diversos políticos, ligados a esses grupos, que foram eleitos usando uma retórica de “somos o novo, somos a segurança, blá blá blá”. Um hipócrita, veja só.

    • Não entendi. Confesso. No artigo eu chamo a atenção para o fato de no Brasil existirem os que têm acesso ao que a democracia tem de melhor e existem aqueles aos quais a democracia não alcança, pois vivem em territórios onde a lei não entra. Sobre as milícias, nunca arquitetei campanha alguma. Elaborei estratégias para muitas, nenhuma delas de milicianos. Meu caro, não há necessidade de você ser agressivo ao argumentar. Fico feliz que você tenha lido o artigo e que, mesmo motivo pela ira, tenha comentado.

  2. Quem vê pensa até que o Jackson e o Diário do Rio não fizeram campanha pro Claudio Castro e o ocrim dos Bolsonaros…

    Pessoas com robustas evidências de relações íntimas com a milícia.

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