Jorge Jaber – Câncer de próstata e o preço do preconceito: por que a resistência à prevenção ainda custa vidas?

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De um lado, uma doença muitas vezes fatal, mas evitável; de outro, as vítimas potenciais, desprezando, por ignorância ou preconceito, medidas básicas de prevenção. Poderia ser um breve resumo da Revolta da Vacina, há 120 anos, quando o anúncio da imunização obrigatória contra a varíola levou a população e o caos às ruas do Rio de Janeiro, mas trata-se de um tema bem atual: o câncer de próstata. Uma enfermidade que, a despeito do avanço da Medicina e do empenho dos profissionais de saúde, ainda apresenta dados que merecem reflexão.

Os números são, no mínimo, preocupantes: cerca de 17.000 mortes em 2023, numa média de 47 por dia, e uma projeção de aproximadamente 72.000 novos casos anuais até 2025. Entre os vários tipos de câncer na população masculina, é o segundo mais letal, atrás apenas do de pulmão, e atinge cerca de um entre oito homens ao longo da vida, com uma morte em cada 44 ocorrências. Um cenário sombrio e, infelizmente, sem luz no fim do túnel à vista, pois prevê-se um aumento de mais de 100% nos diagnósticos e de 85% nos óbitos até 2040.

A dureza das estatísticas, no entanto, parece não atingir ou comover os maiores interessados. Pesquisa recente da Sociedade Brasileira de Urologia mostra que no ano passado menos de 40% dos homens com mais de 50 anos realizaram os exames – toque retal, PSA ou ultrassonografia – que podem indicar alterações no formato e consistência da próstata, e 36% deles nunca se submeteram a nenhum. A desinformação nem sempre é a vilã: 80% dos entrevistados afirmaram ter conhecimento sobre os procedimentos, mas, ainda assim, só a metade se submeteu aos mesmos pelo menos uma vez.

Tendo em vista a crescente preocupação dos brasileiros em geral – e das mulheres em particular – com a saúde, uma provável razão para a falta de interesse por um exame simples, indolor e oferecido de forma gratuita na rede pública é a persistente e, desnecessário ressaltar, tola associação do toque retal a uma afronta à masculinidade. Um raciocínio ultrapassado e machista, triste fruto do preconceito que ainda marca nossa sociedade, levando milhares de indivíduos a adiar eternamente um gesto que poderia preservar sua vida e, ironicamente, até seu bom desempenho sexual.

Seria apenas um pensamento cômico, se não provocasse mortes precoces, muitas delas evitáveis. A doença não nos leva apenas pais, filhos e amigos queridos, mas também a competência e conhecimento de profissionais de diversas áreas, numa perda de saberes acumulados em décadas. Gera, ainda, gastos bilionários com tratamentos nas redes públicas e privadas, afastamentos temporários ou permanentes, aposentadorias precoces e uma série de outras despesas, com impacto direto sobre a economia dos países. Um prejuízo que recai, no final das contas, sobre toda a sociedade.

Não se pode, claro, atribuir os baixos índices de detecção precoce somente à cultura machista. Ela não precisa, necessariamente, começar com o urologista: devidamente treinados, os clínicos gerais, que prestam o atendimento primário, podem identificar sinais e sintomas da enfermidade – dificuldade, dor ou demora para urinar, redução do jato urinário, sangue na urina ou sêmen e várias idas ao banheiro, especialmente à noite, entre outros –, e, aí sim, recomendar a consulta a um profissional especializado, que começará o tratamento específico. Este é o protocolo atual do Ministério da Saúde.

Objetivo principal do Novembro Azul, o urgente trabalho de prevenção ao câncer da próstata não passa, portanto, apenas pelos exames, mas também pela conscientização do público-alvo – homens a partir de 50 anos – e da capacitação dos profissionais que atuam na ponta do sistema. Além, claro, de aumento e melhorias nas unidades de atendimento. Ações relativamente baratas, mas com alto potencial de retorno – principalmente, em vidas.

*Jorge Jaber é psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), membro da Academia Nacional de Medicina

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