Jorge Jaber – Distúrbios emocionais em crianças e adolescentes: entre o preconceito e o diagnóstico

Embora equivocadamente associados a adultos, os transtornos psíquicos não escolhem faixa etária. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão afeta em torno de 3,2% da população mundial na idade entre três e 17 anos

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Imagem meramente ilustrativa de crianças jogando em Maricá, na Região Metropolitana do RJ - Foto: Divulgação/For Games

Em seu show no Rock in Rio, o cantor da banda Imagine Dragons, Dan Reynolds, foi além da exibição de seus dotes musicais. Ao falar clara e abertamente sobre a depressão que começou a afetá-lo aos 12 anos, ele lançou luz sobre uma questão presente em muitas famílias, mas ainda fora do radar da maioria da população: a ocorrência de distúrbios emocionais entre crianças e adolescentes. Um problema, como mostrou o artista, capaz de provocar efeitos dolorosos, mas que pode ser contornado com a busca por diagnóstico e tratamento.

Embora equivocadamente associados a adultos, os transtornos psíquicos não escolhem faixa etária. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a depressão afeta em torno de 3,2% da população mundial na idade entre três e 17 anos. Num país do tamanho dos Estados Unidos, isso significa cerca de dois milhões de jovens com pelo menos um episódio da doença, que é a principal causa de incapacidade entre eles. A taxa é mais alta a partir dos 12 anos, chegando a 20%. No Brasil, com nossas conhecidas carências na oferta de saúde, educação e lazer, nada indica que o cenário seja distinto.

A prevalência de outras enfermidades mentais nos primeiros anos de vida também é significativa: a ansiedade e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade atingem cerca de 7% dos adolescentes, enquanto 2% sofrem de esquizofrenia, bipolaridade e distúrbios alimentares como a anorexia e a bulimia, também segundo a OMS. Essas taxas provavelmente são ainda mais elevadas, pois a subnotificação ainda é alta, tanto pela carência na estrutura de atendimento quanto pela própria resistência das famílias em admitir nos filhos a existência desses distúrbios.

Essa atitude é fruto do estigma que infelizmente ainda cerca os portadores de transtornos psíquicos. Como nem sempre há sintomas evidentes, eles são muitas vezes vistos como preguiçosos, relapsos ou até sem caráter, capazes de inventar um problema para fugir dos compromissos. Nascido da desinformação, esse preconceito só aumenta a dor, e, no caso de crianças, é especialmente cruel, pois elas nem sempre são capazes de se expressar com clareza, muitos menos de procurar apoio médico por conta própria.

Neste sentido, a fala de Reynolds é exemplar, e segue o caminho trilhado pela ginasta Simone Biles e pelo surfista Gabriel Medina, que também se manifestaram sobre o assunto, chegando a se afastar das competições para retornar, em grande estilo, nas Olimpíadas de Paris. Ao compartilhar com a plateia suas questões, mostrando que por trás do ídolo há um ser humano, com fraquezas e inseguranças – e, desde jovem, uma doença nem sempre encarada com a seriedade que merece –, o vocalista prestou um serviço enorme aos que convivem com tais transtornos.

Num momento em que nos vemos diante de novos e perturbadores desafios – climáticos, econômicos e políticos –, a saúde mental precisa entrar com mais força na pauta, e mensagens como a de Reynolds são valiosas. Ele destacou a urgência de buscar ajuda – “é um ato de coragem e sabedoria, não de fraqueza” – e ressaltou a importância da terapia em sua recuperação e até no próprio desenvolvimento artístico, recomendando atenção aos sinais de alerta que esses distúrbios apresentam. Mais didático, impossível.

Esses sinais incluem dificuldades no sono, falta de interesse por atividades antes prazerosas, mudanças repentinas de humor, sensação de cansaço ou desânimo constante ou mesmo uma incapacidade de enfrentar as questões cotidianas, entre outros. Eles podem ser indícios de que algo está errado, e a solução passa por compartilhar o problema e, se necessário, recorrer ao auxílio profissional. Há tratamentos disponíveis, inclusive na rede pública, e a chance de recuperação é grande. Recorrendo uma vez mais ao discurso do roqueiro, “toda vida vale a pena ser vivida”.

*Jorge Jaber é psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), membro da Academia Nacional de Medicina

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