Juliana Benicio – O feminino e as favelas: Um manifesto pelas mães exaustas

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre as mães fluminenses que moram em favelas

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Foto: Reprodução/Internet

Foi da escuta sensível de Freud às mulheres que nasceu a psicanálise. A ciência que hoje se tornou indispensável na contemporaneidade toma corpo a partir da compreensão da dinâmica das famílias e da construção do feminino nesse contexto. A leitura de Freud de que a maternidade não é pura, tampouco instintiva, foi fundamental para ler o século XX e compreender os anseios humanos diante dos rearranjos sociais que se apresentavam.

Hoje não é diferente. A escuta das dores do feminino, das mães e de suas famílias é essencial para entender nosso tempo e nossas dilemas. Como é? O que sente? De que sofre a mãe fluminense?

Estima-se que pelo menos 1 milhão de mulheres fluminenses vivam em favelas, e a maioria delas são mães que, assim como no século passado, guardam em seus lares uma colcha de retalhos costurada com muito suor e lágrima.

A criação de um filho na favela é um desafio hercúleo e amplifica a devastação psicológica que uma maternidade imprime ao feminino. A mulher da favela, além de enfrentar a ressignificação do seu ser, enfrenta um ambiente altamente hostil para construir o que a mulher entende ou espera por família. A maioria das mães que criam seus filhos em favelas sofre pressão psicológica de todos os lados. A dura rotina da mulher da favela envolve a convivência com tiroteios, esgoto a céu aberto, íngremes escadarias e crime organizado. Ela carrega seu filho no colo com sacolas de compra, quase sempre com menos alimento do que precisa. Cuida da limpeza e da comida. Ela esquece de sua sexualidade pois seus filhos dormem no mesmo quarto. Quando chove forte, vê o esgoto dentro da casa, faz faxina completa e ainda sente a perda de um eletrodoméstico que adquiriu pagando parcelado. Ainda tem o problema da água que não chega e o caso da filha da vizinha que foi estuprada pelo traficante. Todas essas cenas são vividas por uma mãe que tenta calar o choro do filho doente, com sono ou simplesmente sendo criança. Inúmeros desafios que, sobrepostos, impactam a mulher que sofre exausta.

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A doença mental que assola a mulher fragilizada pelo contexto opressor da favela é silenciosa, mas traz um ônus social imensurável. Muitas mulheres acabam por encontrar no alcoolismo, nas drogas ou na violência doméstica uma saída para labirinto que a maternidade se tornou.

Certas mães encontram na religião ou nos parentes próximos alguma rede de proteção. Nesses redutos a sanidade é recuperada e força para continuar lutando pela criação de seus filhos revigorada. Mas no fundo elas sabem que o que seu filho precisa de algo que ela perdeu e não sabe como encontrar: esperança em um futuro melhor.

Daí a importância de o Estado entrar como mais um alicerce para essas mulheres e seus filhos. Investir em creches e escolas em ensino integral nas favelas é urgente. Construir um ambiente seguro onde o estado se faça presente da forma mais nobre, por meio da educação. Nesse contexto, a educação não é uma política de longo prazo, é política presente.

A escola não vai suprir a família — nem deve. A escola não vai resolver o problema do esgoto, nem da falta de água, nem da violência. Mas vai incorporar à rotina da criança um ambiente seguro e de construção intelectual. Vai mostrar uma alternativa de convivência social antes que traumas sejam instaurados e irreversíveis, tanto no filho quanto na mãe. Enquanto o filho enxergar futuro, a mãe exausta conseguira lutar contra o seu cansaço e sua fadiga mental.

Para Freud, a mulher se completa com a maternidade. Realmente ser mãe é um ato extraordinariamente importante para a mulher, mas a completude só pode ser conquistada se a maternidade for vivida de forma livre. Se ela for gerada sob condições imensamente adversas, ela sucumbe. E toda a sociedade no entorno sucumbe com ela.

“Se um bebê pudesse falar, ele indubitavelmente afirmaria que o ato de sugar o seio materno é de longe o ato mais importante de sua vida” Freud

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Mãe de 4 filhos: Neto, Hugo, Ana Júlia e Augusto. Política niteroiense, escritora do livro "Política e a Vida Real". Doutora em Engenharia de Produção, Mestre em Economia, Coordenadora de Propriedade Intelectual e Transferencia de Tecnologia do IFRJ e Avaliadora de Ensino Superior no INEP/MEC
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3 COMENTÁRIOS

  1. Excelente artigo e uma grande verdade que nunca aparece nos noticiários sensacionalistas. Espero que seja contemplado no mais novo PROJETO DO GOVERNO DO ESTADO – CIDADE INTEGRADA. ATENÇÃO GOVDERNADOR PARA O TEXTO PUBLICADO. VERDADE NUA E CRUA e que fingimos não existir.

  2. OU SEJA : BRIZOLA TINHA MAIS DO QUE RAZÃO E SENSIBILIDADE PARA ESTE PROBLEMA. E FOI O PT E SUA LAIA QUE DESTRUIRAM AS OBRAS ARQUITETÔNICAS E TODA A PROPOSTA PEDAGÓGICA DE BRIZOLA. PURA E SIMPLESMENTE VONTADE DE DESTRUIR E JAMAIS DAR CONTINUIDADE E APERFEIÇOAR O QUE HAVIA DO GOVERNO ANTERIOR. CIEPS FORAM APARELHADOS POR PETISTAS E DESTRUÍDOS TOTALMENTE. O PT É UM CÂNCER.

  3. Estou arrepiada! Que texto incrível este da Juliana Benicio! Perfeito em todos os aspectos! Verdadeiro. Milhões de parabéns a ela.

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