Juristas católicos alertam que atualização do Código Civil mudará o conceito de família

Plenário do Senado começou a debater o anteprojeto de lei destinado à revisão e atualização de mais de mil artigos do Código Civil brasileiro

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O plenário do Senado deu início, nesta quarta-feira (17), aos debates sobre o anteprojeto de lei destinado à revisão e à atualização de mais de mil artigos do Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002). O documento foi elaborado por uma comissão de juristas criada pelo presidente da Casa Alta, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

A União Brasileira de Juristas Católicos (Ubrajuc) e outras entidades de juristas católicos emitiram uma nota, em março deste ano, criticando o pouco tempo – de agosto de 2023 a 5 de abril de 2024 – destinado à elaboração de mudanças que, se aprovadas, vão impactar de forma profunda as vidas dos brasileiros.

“Em linhas gerais, preocupam-nos os pontos relacionados ao direito de família, liberdade de expressão, bem como a proteção ao direito de propriedade e ao direito à vida. Há tantas mudanças no projeto de atualização que os juristas que não pertencem à comissão muitas vezes têm dito entre si que se trata na verdade de um novo Código e não de uma mera atualização”, disse o advogado, doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Ubrajuc, Miguel da Costa Carvalho Vidigal, ao jornal O SÃO PAULO, conforme reproduziu o site do Santuário Basílica de São Sebastião.

De acordo com o site, entre os pontos que geram preocupação aos juristas católicos está a flexibilização dos trâmites para casamentos e divórcios que passariam a ser extremamente simplificados. No caso do divórcio, os juristas destacam que um dos conjugues  poderá se divorciar sem que a outra conjugue saiba do procedimento, o que seria, segundo especialistas, um “divórcio surpresa”.

“De forma simplificada, pode-se dizer que se pretende permitir que o casal vá ao cartório e saia casado no mesmo dia. Ante a solenidade do casamento, consideramos importante manter as formalidades, não apenas para que os noivos reflitam mais sobre esta importante decisão, mas, também, para que se investigue eventuais impedimentos. Outro aspecto preocupante é a possibilidade do divórcio unilateral em cartório, que vem sendo chamado de divórcio ‘surpresa’ por diversos especialistas. A proposta permite que apenas um dos cônjuges se dirija ao cartório e já saia de lá divorciado. O outro cônjuge só saberá disso tempos depois quando for notificado”, esclareceu Miguel Vidigal, acrescentado que tais mudanças parecem “uma modificação completa da concepção de família”.

Sobre as mudanças no casamento, Vidigal comentou que “qualquer tipo de reconhecimento de direitos similares aos do casamento para uniões concubinárias resultaria na evidente contrariedade do texto de nossa Constituição Federal, que consagra a monogamia e a fidelidade no casamento e na união estável. Se procurarmos a bigamia no texto da proposta de reforma não vamos encontrar a menção explícita, porém, quando lemos os termos dos artigos que tratam das consequências das relações bígamas, a solução é uma evidente aprovação da infidelidade conjugal”, disse o advogado.

Ainda sobre o casamento e uniões civis, na matéria consta a proposta de substituição das menções “homem” e “mulher” por “duas pessoas”, medida que foi severamente criticada pelas entidades católicas. O advogado Venceslau Tavares Costa Filho, doutor em Direito Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor da instituição e do Centro Universitário Frassinetti do Recife (UniFafire), ressaltou que a Constituição de 1988 trata os indivíduos como “homem” e “mulher”. A opção por “pessoa”, segundo o especialista, decorreria de pressões em favor da “neutralidade” de gênero. “Na prática, muda-se o fundamento filosófico e ideológico da legislação e assume-se a suposta neutralidade de gênero advinda da ideologia/teoria de gênero – repudiada pela Igreja e inclusive bem recentemente pelo Papa Francisco”, explicou Venceslau.

No anteprojeto, constava ainda um dispositivo que se referia às famílias não conjugais, que só foi retirado do texto, segundo o advogado Maurício Pereira Colonna Romano, especialista em regulação econômica pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) e diretor da União Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp), após muitas críticas por parte das várias uniões de juristas católicos. O advogado ressaltou, no entanto, que “ainda restaram as referências à afetividade como elemento do parentesco. Preocupa-nos o avanço do processo de desprestígio da adoção, que pressupõe cautelas tais como a prévia investigação psicossocial e a intervenção do Ministério Público. Na prática, tal investigação inexiste para o reconhecimento do parentesco afetivo, o que pode resultar em burla ao processo de adoção e em graves riscos para crianças e adolescentes”, afirmou Maurício Romano.

O anteprojeto também trata dos direitos dos animais no âmbito das relações com humanos, com a configuração de família multiespécie, por meio da qual eles passariam a ser reconhecidos como membros da família. “Causa estranheza ver que no texto se fale em relações afetivas entre pessoas e animais. É o que vem sendo chamado de família multiespécie. Não obstante o cuidado que devemos ter em relação aos animais, parece-nos óbvio que não se deva reconhecer juridicamente a eles o status de membros da família”, pontuou Costa Filho. “Por outro lado, ao mesmo tempo, o projeto parece permitir a gestação subrogada – popularmente conhecida como barriga de aluguel – e a doação de gametas. Ou seja, a mesma proposta que personaliza os animais, ao reconhecê-los como sujeitos de relações jurídicas, parece reduzir as pessoas e partes do corpo humano a meros objetos de contratos”, observou Venceslau Tavares Costa Filho.

Maurício Romano lembrou que as mudanças no Código Civil ainda devem ser analisadas por senadores e deputados federais. O que permitirá um debate mais amplo de cada artigo, contemplando “os anseios da população e menos as pautas de grupos minoritários de pressão”.

Já Miguel Vidigal pede à população que acompanhe a tramitação da proposta de alteração do Código Civil “para que se garanta que os valores da sociedade permeiem a lei. O melhor caminho para isso é pressionar os políticos para que se importem com o tema, mas também fomentar grupos organizados que atuem junto aos Poderes Legislativo e Judiciário de forma técnica e profissional. E se importar inclui não apenas ‘atacar’ os textos propostos, mas procurar participar da redação deles. Pressionar para que os integrantes de órgãos consultivos tenham um certo grau de afinidade”.

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