Não são mais apenas os comerciantes que tem conseguido sucesso em processos judiciais visando reduzir seus aluguéis durante a pandemia. Pioneira, a decisão da juíza Paula de Menezes Caldas, concedeu a um inquilino de apartamento residencial 50% de desconto no aluguel de sua moradia. As decisões semelhantes em casos de imóveis comerciais já se tornaram corriqueiras.
Um professor de educação física, alegando que teve uma brusca queda em sua renda por conta da pandemia causada pelo novo Coronavírus, entrou na Justiça para reduzir o valor do aluguel do imóvel onde reside com sua família, pois, segundo ele, não conseguiria arcar com os custos. A proprietária do apartamento insistira em mandar o boleto pra ele pagar com o aluguel cheio.
O processo, que tramita na 49a. Vara Cível da justiça estadual, mostra que o professor de educação física teve “suspensos os pagamentos por parte do clube em que labora, (…); deixou de receber os valores relativos às atividades extraclasse que desempenhava junto ao Colégio (…) e concernentes aos serviços prestados para o seu empregador e, por fim, interrompeu as aulas particulares (…) que oferecia”. O relatório da decisão que deu vitória ao inquilino do imóvel ainda informa que o professor é pai de “quatro filhos em idade escolar e encontra-se fragilizado”.
Considerando todo o contexto, o professor de educação física propôs à administradora responsável pelo imóvel que, “durante a pandemia, lhes fosse concedido desconto de 50% no valor do aluguel, mantendo-se o pagamento regular do condomínio e cota de IPTU (totalizando R$2.350,00)”.
Contudo, em 29/04, o professor e sua família foram surpreendidos com o recebimento do boleto no valor integral a ser pago. Após reiteração da proposta, receberam resposta negativa: a proprietária insistia em não conceder desconto.
A situação vinha se arrastando até então. Eis que saiu a decisão da Juíza, que deu o desconto de 50%, inicialmente por 3 meses. Para a magistrada, cabe à justiça fazer com que haja a “divisão dos prejuízos sofridos, eis que nenhuma das partes detém culpa pelo evento imprevisto“. Segundo ela, é preciso “impedir que apenas uma das partes (locatário) arque com a integralidade do ônus financeiro sofrido“. Fica bem claro que a justiça tem entendido que o senhorio tem que participar de alguma forma do prejuízo que todos estão tendo com a pandemia, ou haveria um desequilíbrio contratual.
A titular da vara decretou também que “mostra-se razoável e proporcional a proposta autoral de pagamento de 50% do valor do aluguel, acrescido dos encargos contratuais. No mais, o periculum in mora é manifesto, tendo em vista a essencialidade da medida, tratando-se do direito constitucional à moradia digna dos autores e sua família (Art. 6º, CRFB/1988)”.
No texto, a Juíza diz, ainda, que “não se trata de revisão de aluguel, mas de ajustamento pontual e temporário de seu valor, não devendo se desdobrar por período superior a 3 (três) meses, a princípio.” Para Wilton Alves, diretor da administradora de imóveis Sergio Castro, com milhares de imóveis administrados em toda a cidade, a decisão vem corroborar o que a administradora já vinha fazendo: “Olha, é uma equaçãozinha matemática. Número um – É pacífico que o inquilino pode, em razão da pandemia, tentar entregar as chaves do imóvel sem pagar multa por quebra de contrato. Número dois – os imóveis estão demorando pra alugar neste momento, e quando alugam, alugam com prazos de carência que chegam a três ou quatro meses. É melhor dar desconto de 40 ou 50% ou ficar com o imóvel vazio pagando despesa e correndo risco? E pra terminar a equação, quando a justiça começa a conceder, pra que brigar e pagar advogado? Melhor fazer acordo logo e passar uma imagem de parceiro pro inquilino.“
O advogado José Antonio de Santana, titular do escritório Carvalho de Santana Advogados, que patrocinou a causa e defendeu o inquilino, esclareceu para o DIÁRIO que, nesse momento de pandemia que o melhor caminho seria um acordo entre partes e o uso de bom senso.
“No caso desse processo, o Locatário teve uma perda significativa da sua renda, tendo esgotado todas as chances de negociação com o Locador, o que ensejou na propositura da ação. É bom esclarecer que essa decisão (…) abre um excelente precedente, para o momento singular que estamos enfrentando”, disse José Antonio.
A dona do imóvel pode recorrer. Porém, segundo especialistas, são mais decisões a favor dos inquilinos do que contra, no Tribunal de Justiça, que tem sido mais pró-inquilino do que os juízes de primeira instância.