Leila Marques: Arquitetura, urbanismo e as tragédias das cidades

Colunista fala sobre as tragédias climáticas, como a que ocorre no Rio Grande do Sul

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Foi preciso uma pandemia da grandeza da COVID-19 se abater nas cidades para muitos começarem a repensar o papel do arquiteto e urbanista na mitigação dos efeitos dessa, que nem foi a primeira e, certamente, não será a última tragédia sanitária que a humanidade assistirá, quiçá nessa mesma geração.

Naquela ocasião de fevereiro de 2020, estavam ainda sendo debelados os problemas anuais de chuvas de janeiro, em níveis “acima do esperado”, como é sempre justificado pelas autoridades nacionais, que haviam devastado diversas cidades fluminenses, dentre outras Brasil afora, deixando diversas famílias desabrigadas, além de irreparáveis perdas de vidas humanas.

E foi justamente no dia 26 de fevereiro, quarta-feira de cinzas, que o primeiro caso de contaminação por coronavírus foi anunciado no Brasil. Lembram disso?

Por que lembrar disso agora? Porque, novamente, nós urbanistas estamos testemunhando que nosso trabalho não está servindo à população como deveria. Seja por questões políticas, e/ou econômicas, e/ou administrativas, e/ou todas juntas, a nossa técnica não está fazendo a sua parte; ou está tentando, mas perdendo feio essa batalha.

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A urbanização da sociedade brasileira, tal como em outros países, tem se constituído, por um lado, em princípios de modernização, mas, ao mesmo tempo, recria atrasos, pois, as características do Brasil urbano impõem tarefas desafiadoras, que arquitetos e urbanistas nem sempre têm encontrado lugar de fala, ou não estão preparados a enfrentar.

Vale sempre lembrar que, em 1940, a população urbana era de 26,3% do total, e hoje, chegamos à faixa de 85% de uma população que decuplicou! Isto significa que os  assentamentos urbanos foram ampliados de forma a abrigar mais de 150 milhões de pessoas e, poucas foram as cidades que se planejaram para isso: não apenas fazendo um grande movimento de construção urbana necessário para o assentamento residencial, de trabalho, de saúde, de abastecimento etc., dessa nova população, mas que tenha se preocupado, principalmente, em fazê-lo de forma equitativa às várias faixas de renda da sociedade, distribuindo benefícios de  infraestrutura de mobilidade urbana às periferias e também cuidando da preservação do meio ambiente.

Neste final de abril, início de maio de 2024, estamos testemunhando e chorando a tragédia sul-rio-grandense. Em que pese todas as numerologias do excesso de chuvas, porque, de fato, estamos passando por uma crise climática mundial, ressalto que a crise mais aguda é a falta de gestão, que vêm se arrastando há tempos e impedem investimentos urbanos mais robustos no combate e prevenção de acidentes causados pelas “forças da natureza”.

Cidades menos impermeáveis, mais verdes, ocupação em solos firmes, arquitetura mais sustentável, reaproveitamento de águas, investimento em energia limpa, infraestrutura distribuída em rede, são medidas que se não impedem as catástrofes em curso, mas previnem boa parte, minimizando os seus efeitos.

Especialistas afirmam que o maior problema que enfrentamos nas ações do governo, não são mais a falta de prevenção e sim de aceitação que esse tipo de fenômenos “atípicos” serão cada vez mais frequentes. Há quase uma década que as médias de temperaturas do planeta já vêm aumentando, portanto, não há surpresas- há negacionismo.

Mas, tal como em 2020, quando as manchetes do carnaval carioca suplantaram a tragédia que se abatia nas cidades alagadas e abriram-se as portas para a pandemia, agora, para acalmar o coração brasileiro e dar “sossego” aos políticos negligentes, temos um assunto mais palpitante em destaque, dividindo as mídias: o show da divina Madonna no Rio de Janeiro, neste sábado – quando a primeira dama, que não é de ferro, virá assisti-la aqui, ao vivo.

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1 COMENTÁRIO

  1. Prezada Leila Marques !!
    artigo preciso, sincero, honesto e direto sobre nossas responsabilidade como cidadãos e infelizmente a (falta) de poder como povo para construir junto com os governantes, a melhor maneira de sugerir onde serão empregados os investimentos visando politicas públicas que incentivem uma estratégia de cidade mais humana e com maior qualidade de vida.
    Estudo o tema de Cidades Inteligentes , e em várias cidades do mundo já existe uma sinergia dos gestores públicos com a sociedade, empresarios e academia, para aplicar os impostos de maneira mais justa, eficiente e equanime.
    Claro que não exime de grandes tragédias acontecerem, mas ajuda como vemos em muitos paises (ex. Japão) mitigar imensamente os desastres e tentar buscar saidas mais rapidas e precisar para acalentar a dor da população que sofre com isso,
    tomara que algum dia consigamos seguir pelo menos 20% dos exemplos aplicados que estão por ai , para quem quiser ver (Madri, Tallin, Singapura, Copenhagem, Medellin,etc), dentro da norma ISO 37120 – Smart Cities , e não fiquemos somente refens de artistas e influencers que possam mobilizar multidões e gerar votos para os politicos.

    Cordialmente
    Paqueta

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