Leila Marques: Entre casarões tombados e desabados, o Rio histórico pede socorro

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre condições de imóveis tombados no Rio

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Desabamento de casarão no Arco do Teles, Centro do Rio, em 7 de outubro de 2023 – Foto: Diário do Rio

Por: Leila Marques

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O termo “tombamento”, com origens etimológicas advindas da Torre do Tombo em Portugal onde se guardavam livros de registros especiais, é o instrumento de reconhecimento e proteção do patrimônio cultural, histórico e artístico nacional, no caso em tela, de bens imóveis notáveis.

Resumidamente, para o imóvel ser tombado, um processo administrativo precisa ser provocado por iniciativa pública ou privada, no qual se apresenta análise e fundamentação de sua importância no âmbito solicitado (nacional, estadual ou municipal) e, a partir da efetivação desse tombamento,  tais imóveis ficam sujeitos à fiscalização dos respectivos órgãos responsáveis (IPHAN, INEPAC, IRPH), tanto sobre o estado de conservação, quanto sobre qualquer intervenção que venha a ser solicitada para esses bens, a fim de que se mantenham as características físicas originais que os levaram a este “tombamento”.

Nos casos de modificações de uso, venda ou aluguel de imóveis tombados, os proprietários gozam dos mesmos direitos, e necessitam dos mesmos procedimentos quaisquer outras edificações da cidade. Já o mesmo não acontece quando o assunto é reforma, mesmo que seja para eventual manutenção. Em imóveis tombados, as intervenções físicas para além da simples conservação, dependendo do grau de deterioração do imóvel, são denominadas de restauração, que dependem de um projeto especializado, executado por Arquitetos e Urbanistas, aprovado por órgãos competentes, e a execução da obra propriamente dita, requer diversos tipos de profissionais, igualmente especialistas – e assim inicia-se a delicada questão desta manchete.

Trazendo a matéria para o centro histórico do Rio de Janeiro, cujo raciocínio análogo aplicar-se-ia a qualquer outra metrópole nacional, o número de edificações tombadas ou tuteladas (edificações circunvizinhas às tombadas, que não contém um valor histórico especifico por si, mas sim pelo conjunto arquitetônico) envolve, em muitos casos, unidades que são objetos de discussões de heranças centenárias, ou unidades localizadas em áreas que, ao longo do tempo foram se deteriorando, e o valor venal despencando. Consequentemente os proprietários, quer por negligência, quer por hipossuficiência financeira, não investem na conservação de seus bens imóveis e alguns acabam chegando ao colapso.

Esse é, sem dúvida alguma, um resumo simplificado de uma situação complexa que envolve proprietários, governos, órgãos de tombamento, legislações aplicáveis, agentes de fiscalização, e, sobretudo a população que necessita de segurança física, ao circular pelas ruas, e merece uma paisagem urbana bem cuidada, que exalte nossa história e cultura e não que deponha contra nossa qualidade arquitetônica.

 Após a “casa caída”, como estamos vendo em diversas notícias atuais da cidade do Rio, uma das quais houve uma vítima fatal, uma pergunta que não quer calar, volta à pauta:

DE QUEM É A CULPA?

O “réu” inicial, por força do Decreto-Lei 25/1937, é o proprietário.

O desconhecimento dessa responsabilidade, por parte do proprietário, não se justifica posto que o Código civil deixa claro que ninguém pode usar em sua defesa, o desconhecimento das Leis (embora usem muito).

Hipossuficiência de recursos para a manutenção das condições físicas do imóvel, também pode explicar, mas não justifica conquanto existem alternativas que os proprietários podem lançar mão, para não deixar chegar a tal ponto. 

Ele pode começar solicitando um financiamento específico para tal finalidade. Alguns órgãos, como o BNDES, têm uma excelente linha de crédito para restauro de imóveis tombados ou tutelados e há notícias que uma parcela ínfima desse recurso é utilizada pela sociedade.

Na linha de recursos financeiros, muitas prefeituras adotam a isenção de IPTU para os imóveis tombados, considerando que tais valores devem ser utilizados diretamente pelo proprietário para a conservação do bem tombado.

Outra ferramenta é a venda do TDC do imóvel tombado a terceiros. Todo imóvel possui um potencial construtivo definido através de parâmetros urbanísticos, conforme nossa Lei de Zoneamento. Esse potencial de um imóvel tombado, que não pode ser alterado, pode ser transferido para outra área mais restritiva. Sendo assim, a Transferência do Direito de Construir (TDC) consiste na permissão dada aos proprietários desses imóveis em vender seu potencial construtivo para outros imóveis da cidade. O valor arrecadado, sem dúvidas, deve ser usado para o restauro do imóvel tombado em questão.

Se nada disso for do interesse do proprietário, ele deverá então notificar o órgão responsável pelo tombamento, e este, de acordo com sua análise, poderá realizar as obras necessárias, sendo que, em alguns casos, o imóvel pode ser desapropriado com alguma indenização “acordada” entre as partes.

Reconheço que as alternativas não são tão simples assim, e, dessa forma, há indícios que alguns proprietários permitem que o bem tombado, tombe de vez (com o permisso do trocadilho já tão batido), para ficar livre para construir, em seu lugar, outro imóvel mais rentável no mercado imobiliário.

Assim sendo, de nada adianta a existência de decretos, leis, regulamentos se estes não forem cobrados de se seus proprietários, e se estes não forem punidos por não cumprirem a ordem disposta, mesmo tendo sidos devidamente notificados.

Vamos então partilhar a culpa com o poder público? Claro que sim!

Iniciando-se pela fiscalização que é atribuição do órgão do tombamento, pelo valor patrimonial, e também atribuição da Prefeitura/ Defesa Civil, pela segurança dos transeuntes.

Uma ação de fiscalização, supostamente, gera uma notificação ao proprietário, e estabelece um prazo para as devidas providências. Passado o prazo, é hora do governo agir e até, se for o caso, “invadir” imóveis fechados para chamar para si a responsabilidade de escorar ou restaurar a edificação. Primeiro faz-se a obra, protege-se a população, depois discute-se na justiça quem arcará com o ônus – este seria o lógico… Raras vezes vimos ou veremos isso acontecer.

Os Conselhos profissionais, como o de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RJ), são chamados constantemente pela imprensa a esclarecer por que esses imóveis (centenas no centro do Rio) estão abandonados, ameaçando a vida das pessoas, e “ninguém faz nada”. Solidarizando-se com a sociedade pela não atuação concreta das autoridades a quem compete o papel definitivo nesses casos, o CAU/RJ aponta alguns caminhos (autovistoria predial, IPTU progressivo, desapropriação etc.) e orienta profissionais, proprietários e sociedade em geral, sobre quais são seus direitos e deveres.

É preciso lembrar que o CAU/RJ não tem papel de fiscalizar imóveis, e sim a ação dos profissionais de Arquitetura e Urbanismo, no tocante à qualidade ética e legalidade de seus serviços prestados à sociedade. Se não há trabalho, projeto ou obra de Arquitetos em curso – não há, por princípio, ação do CAU/RJ a ser feita.

Mas a responsabilidade social do CAU/RJ se mantém não só através de debates sobre o tema, bem como através da utilização de recursos para prestar Assistência Técnica gratuita no caso de interesse público, ou no caso de habitação de interesse social (ATIP ou ATHIS). Ainda disponibilizamos os canais de atendimento do CAU/RJ à sociedade para sanar dúvidas a respeito do ambiente construído das cidades do nosso estado, acreditando que a orientação técnica é sempre o melhor caminho para valorização do nosso patrimônio e da nossa cultura.  atendimento@caurj.gov.br ou WhatsApp (21) 3916.3925,

Afinal como dizia a saudosa Françoise Choay, que nos deixou este ano,

Querer e saber ‘tombar’ monumentos é uma coisa. Saber conservá-los fisicamente e restaurá-los é algo que se baseia em outros tipos de conhecimento.”

*Leila Marques é conselheira federal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ) e do Climate Reality Leadership Corps.

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