Leila Marques: “Lei do Puxadinho” tem nova temporada para 2022

Novo projeto de “puxadinhos”, dessa vez ainda mais abrangente, inclui a Zona Sul carioca e muda o gabarito de bairros como Jacarepaguá e Barra da Tijuca

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Foto de Prédio em Ipanema em situação de ilegalidade- publicada em O Globo 8/10/2015

Por: Leila Marques – Arquiteta e Urbanista – Conselheira Estadual CAU/RJ

Perto da meia-noite de 28/7/2020, os cariocas foram literalmente assombrados com o encerramento da votação do PL 174/20, que aprovou mais uma temporada da série “Lei do Puxadinho” (LC 219/20).

Na ocasião, o então Prefeito Crivella chegou a afirmar, com bastante naturalidade, que se tratava de uma medida fundamentalmente para arrecadação financeira, tendo em vista os prejuízos causados pela pandemia etc. e tal. Ficando claro, portanto, que não se tratava de qualquer tipo de medida com propósitos de incrementos urbanísticos e, de acordo com especialistas, o efeito seria oposto para a qualidade de vida da cidade, atendendo aos propósitos de alguns.

Para quem não sabe ou esqueceu, esse tipo de “Lei do Puxadinho”, como o povo apelidou, tem a finalidade de legalizar acréscimos de construções que, teoricamente, seriam proibidas por Lei ou outros dispositivos legais quaisquer. Por favor, não confundir com regularização de autoconstrução para habitação de interesse social. É bom, inclusive, esclarecer que nem mesmo os prefeitos que fizeram uso desse dispositivo (puxadinho) em nenhum momento ousaram alegar que estariam tentando resolver questões de regularização fundiária, déficit habitacional, desequilíbrio social ou similares. Essas questões ainda aguardam soluções que, certamente, não podem ser entendidas como mais-valia, se o usuário ainda está lutando pelo seu direito de morar. E tampouco se pode entender o regramento edilício como uma forma de exclusão social, pois a inclusão se dará justamente através de regramentos ainda mais rigorosos que estabeleçam, por exemplo, o percentual de área que o Estado deve prover a cada zoneamento, para a parcela da população “faixa 1” (renda zero a um salário mínimo) e seus respectivos imóveis.

Toda crítica aos “puxadinhos” referem-se a acréscimos e obras em edificações legalizadas: aquele andar a mais, construído no alto de um edifício; aquela suíte a mais, construída na área livre do terreno; aquela cobertura construída num prisma de ventilação/ iluminação de um prédio; aquela varanda fechada, incorporada à área útil do imóvel… e por aí vai. Uma espécie invertida de anistia, pois, em geral, libera-se o pagamento de taxas e impostos ao anistiado, desde que ele esteja em acordo com a Lei, a fim de obter algum título. Nesse caso, o título, comumente chamado de mais-valia, é dado justamente a quem está em desacordo com a Lei; e a grana, que é o objetivo do projeto, vai para os cofres da Prefeitura que alegará qualquer necessidade ou urgência. Por sorte, essa Lei Complementar foi suspensa em março do ano seguinte pelo Tribunal de Justiça do Rio.

Mas então por que lembrar esse pesadelo agora?

Embora, com muita ética, nosso Ex-Secretário de Planejamento Urbano, Washington Fajardo, tenha se limitado a esclarecer que sua exoneração do cargo foi devido a “diferenças de visões sobre a cidade” entre ele e o Prefeito Eduardo Paes, não é segredo para nenhum veículo de imprensa que estas “diferenças” residem, majoritariamente, no fato do prefeito ter tocado para frente, à revelia do Secretário, novo projeto de “puxadinhos”, dessa vez ainda mais abrangente, incluindo a Zona Sul carioca e mudando o gabarito de bairros como Jacarepaguá e Barra da Tijuca; entretanto mais rigoroso se considerarmos que o projeto de Crivella chegava a dar 40% de isenção na taxa de legalização, e no projeto de Paes, o desconto parece que não passará de 25%.  E embora a Lei dos Puxadinhos seja aplicável para construções pré-existentes, Paes tem interesse em estender o benefício também para construções ainda no papel, desde que seja dada entrada do pedido em até 180 dias, após a aprovação da nova lei – o já conhecido “mais-valerá”.

Entendendo que essa nova temporada da “Lei do Puxadinho” não tem, e, tal como as outras, nunca teve, ligações diretas com justiça social (ainda que acreditemos que parte desses recursos venham a ser revertidos, em algum momento, para políticas públicas redistributivas), só resta a nós, urbanistas, criticarmos desde seu modus operandi, passando pelas consequências de descaracterização dos imóveis, até potencial para gerar prejuízos ambientais e urbanísticos irreversíveis.  

A abertura de novas temporadas da infinita série “Lei do Puxadinho”, só serve para dar a certeza a certos usuários, construtores e proprietários de imóveis que as leis são feitas para quem quer “perder tempo” em segui-las. Sua sazonalidade é a certeza de que, num belo dia, tudo se regularizará. E está tudo bem.

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3 COMENTÁRIOS

  1. O pior é quando o edifício cai. Qual dinheiro que paga o recolhimento de tudo , servidores e etc ? O dinheiro do imposto que não foi recolhido de quem construiu , quem vendeu e de quem comprou..isso aqui é uma terra maldita.

  2. A Lei do puxadinho é imoral ! Sem engenheiro , compromisso com a vida do vizinho , depreciação dos prédios do entorno , sem respeito ao IPTU de quem pagou , registrou e etc , essa bandalheira deveria ser destruída . Nem Muzema , Rio das Pedras e outras , são hoje o que são de desordem 3 crimes , a troco de nada . Se tem obra sem regra , o furto de energia e de água também não tem regra , TV a gato , gatonet….tudo a serviço do crime e do criminoso e já que não tem obra legalizada , é gambiarra registrada , já não tem energia lícita , água , internet e o raio que os parta , que tal uma segurança nós mesmos moldes ? Povo e político juntos da nisso aí..quem paga imposto e respeita regras aqui no Brasil é otário.

    • “Povo e político juntos da nisso aí.” Concordo, essa nossa democracia não resolveu e nem vai resolver nossos problemas. Busque no Google sobre”sociedade de leis privadas”.

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