Luciano Alberto de Castro: Duas palavras sobre Marielle Franco

'Agora em março, eu estive no Rio para uma semana de férias regulamentares. Cheguei justo no dia quatorze, data que marcava o assassinato de Marielle Franco'

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Marielle Franco em atuação na Câmara Municipal do Rio de Janeiro - Foto: Reprodução/Redes Sociais

Agora em março, eu estive no Rio para uma semana de férias regulamentares. Cheguei justo no dia quatorze, data que marcava o assassinato de Marielle Franco. Completavam-se 5 anos do crime brutal e absurdo, que seguia sem respostas: quem matou Marielle, quem mandou matar e por quê?   

Pousei às 8:30 no Santos Dumont. Ainda pela manhã, começariam os movimentos para marcar aquele 14/03/2023 como o dia de “5 Anos Sem Respostas”. Às 10, dois eventos: missa na Igreja Nossa Senhora do Parto e a abertura da visitação à escultura Marielle Gigante no Museu de Arte do Rio, o MAR. Há muito desconectado da liturgia católica, agasalhei as bagagens no guarda-volumes e optei pelo rumo do MAR. Segundo o Google maps, seriam 36 minutos de caminhada até o museu: moleza.

De fato, não era longe, mas acabei me confundindo com as indicações de rotas pelo celular, tornando o trajeto mais longo. Pra complicar, a já confusa tecnologia resolveu me abandonar: a bateria se foi. Aquela região do centro é um dédalo de vielas e becos sem fim. Quando me vi numa rua sem saída, tive que recorrer à ajuda humana. Dirigi-me a um grupo de homens fardados (parecem inspirar mais confiança) e perguntei:

 — Alguém sabe onde fica o MAR?

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— O mar fica aqui à direita, amigo, mas aqui não tem praia não — disse-me um deles, olhando-me por cima dos óculos. 

— Eu falo do museu de arte.

— Museu? Nunca ouvi falar. Você sabe onde fica o museu mar, Freitas?

O Freitas também não sabia; nem o Carvalho, nem o Feitosa, nem o Juraci. Larguei os milicos confabulando e passei a indagar os paisanos: a moça da banca de frutas, o porteiro, o homem de terno; ninguém sabia onde era o MAR. Por sorte, eu sou mineiro e, como todos sabem, mineiros e tartarugas marinhas têm uma capacidade inata pra encontrar o mar. Assim foi que logo divisei a Praça Mauá e o majestoso MAR.     

A imensa Marielle, trajando um vestido branco floral, estava posicionada no vão entre os dois prédios do MAR. Pareceu-me simbólico ver aquela Marielle titânica situada entre o novo e o antigo, entre o passado e o futuro. Ela estava a nos dizer: eu sou filha da escravidão, do preconceito, da hipocrisia. Eu cresci, lutei e me tornei incômoda, por isso hoje sou uma estátua e não uma mulher de carne e osso, mas as minhas ideias permanecerão. Numa das janelas do prédio antigo, havia um cartaz: “Só quando uma árvore cai, alcançamos todos os seus galhos”. O provérbio africano é um alento. Marielle foi mártir, a árvore negra que tombou pra que seus galhos mais altos fossem tocados.  

Outros simbolismos me afluíram naquele momento. Aos pés da estátua, um grupo de turistas ouvia atentamente um rapaz negro palestrando em inglês: era o Cosme Felippsen, guia de turismo e morador do Morro da Providência. Um batalhador. A imagem do negro favelado contando a história de Marielle pros gringos era um sinal de vitória. Entretanto, do outro lado da rua, sob a marquise do edifício A Noite, um jovem negro, apenas de bermuda, dormia na calçada. Bêbado, drogado, faminto, doente? Que importa? Era um brasileiro, de pele negra, estirado numa calçada às 10 horas da manhã. Marielle, morador de morro, marquise, morte: aquele era um mosaico do nosso Brasil varonil.       

Já no Uber a caminho do hotel, ia eu remoendo ideias e identificando as fatídicas coincidências daquela história. Além de chegar ao Rio exatamente no dia 14, lembrei-me de que em março de 2018, uma semana antes do assassinato de Marielle, eu também estava no Rio. Incrível, mas havia ali uma estranha conexão que eu não conseguia entender. Outra coisa difícil de entender: por que ainda não tínhamos a solução daquela execução sangrenta e às escâncaras?  Não posso entender, mas tenho uma suspeita: quem matou Marielle foi o Estado brasileiro (entenda-se Estado em várias instâncias). Nisso reside a maior dificuldade em avançar e resolver definitivamente o caso.

O Rio de Janeiro continuava lindo naquele finzinho de verão, e agora, vivíamos tempos esperançosos, libertos do obscurantismo pecuário. Ainda assim, o governo atual coabita o mesmo lamaçal político de outrora e sabemos que boas intenções não bastam. Os tentáculos do cipoal pantanoso vão enredando a tudo e a todos. Espero que gotas dessa lama pútrida não respinguem no governo e que, em pouco tempo, o ministro Dino consiga responder ao Brasil e ao mundo quem matou e quem mandou matar Marielle Franco.  

*Luciano Alberto de Castro. Escritor e Professor da Universidade Federal de Goiás        

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