Luciano de Castro: Do you remember Ipanema, Jennifer?

Cronista resgata a história de Jennifer O’Neill. A atriz, que nasceu no Rio de Janeiro, foi modelo internacional e estrelou clássicos de Hollywood como Verão de 42 e Rio Lobo. O pai dela, Oscar O’Neill Jr, foi criado no Rio e lutou na segunda Guerra mundial como piloto de avião B-17

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Não me recordo exatamente quando assisti a Verão de 42 pela primeira vez. Sei que foi pela TV, provavelmente numa “Sessão Coruja” — dublada e fragmentada — do final dos anos 80; e que, aos 20 e poucos anos, eu já experimentava os primeiros sintomas da cinefilia. Naqueles pródromos da moléstia, eu ainda não tinha ouvidos pra música de Michel Legrand nem olhos pra belíssima fotografia, muito menos pro roteiro, pra direção de Robert Mulligan ou pros divertidos atores mirins. Todos os meus sentidos foram dominados por Jennifer O’Neill.

Embora apareça no filme por apenas 14 minutos, aquela Dorothy da praia me causou uma espécie de quebranto. Atrizes bonitas existem aos montes, mas Jennifer tinha algo de especial. Era uma beleza doce, aconchegante, emotiva, quase triste, uma beleza transcendente que estava também no jeito dela falar, olhar, sorrir. O fato é que aquela mulher-musa-feiticeira habitou meus sonhos por alguns meses. Os meus e os de uma legião de pobres apaixonados mundo afora. Há pouco, um amigo me segredou que padeceu de “jenniferpatia” por mais de 20 anos. Curou-se o infeliz, mas segue em acompanhamento médico. 

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Uma das manifestações da cinefilia é o ímpeto de fazer e adotar listas. E assim elas foram surgindo: lista do neorrealismo italiano, lista da nouvelle vague e outras congêneres. No meu rol de clássicos universais, entraram unanimidades como Casablanca e Cidadão Kane e também películas mais pessoais, como Cinema Paradiso e, obviamente, Verão de 42. Revi-o há algumas semanas e confesso que tive uma recidiva de Jennifer O’Neill — de sintomatologia leve, é verdade, mas o suficiente pra reacender o meu interesse pela atriz. Resolvi ampliar o espectro assistindo a outros três trabalhos dela: Rio Lobo, O inocente e Scanners.    

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Jennifer não é apenas bonita, é talentosa e cativante. Não foi à toa que Luchino Visconti a escolheu pra estrelar seu requintado L’Innocente, onde aparece esplendorosa e dublada em italiano. Passando da filmografia à biografia, qual não foi o meu espanto ao descobrir que a moça era brasileira, uma carioca da gema. A descoberta me gerou novas curiosidades e especulações. Até que idade vivera no Rio? Será que falava português? Fui às pesquisas. Vasculhando prazerosamente as estantes da Hemeroteca Digital Brasileira, encontrei notícias, notas, imagens e registros que me ajudaram a entender essa história.

O avô de Jennifer, Oscar Delgado O’Neill, era cidadão americano nascido em Porto Rico. No começo do século 20, mudou-se — de mala e cuia — para o Rio com a esposa e o filho Oscar O’Neill Jr ainda pequeno. A família O’Neill morava na Rua Canning, em Ipanema, e tinha uma casa na região serrana. O Oscar sênior foi, por longos anos, figura conhecida do mundo business fluminense, atuando como diretor-presidente do Banco Latino Americano S.A. Nunca mais retornou à sua terra natal. Faleceu em Teresópolis e lá foi sepultado, em 1961.     

Oscar O’Neill Jr passou a infância e adolescência no Rio. Supõe-se que pegava uma praia e tenha se integrado ao way of life carioca daqueles românticos anos 30. Aos 17 anos, foi pros Estados Unidos onde logo se tornou piloto da Força Aérea. Com a segunda guerra, o rapaz foi enviado pro front, pilotando um B-17. Nos jornais de 1943, vemos várias matérias sobre as manobras arrojadas do capitão O’Neill Jr, conhecido como “o az”. O militar foi dado como morto, ficou prisioneiro dos alemães e foi condecorado por 4 vezes. Acabada a guerra, Oscar Jr casou-se com a inglesa Irene e voltou a morar no Rio. Em 1948, nascia sua filha Jennifer.  

WhatsApp Image 2024 03 05 at 14.38.24 Luciano de Castro: Do you remember Ipanema, Jennifer?

Estava desvendada a conexão da atriz com o Brasil, porém algumas perguntas continuavam sem resposta. E se eu perguntasse diretamente a ela? Isso não seria difícil, pelo e-mail disponível na sua página pessoal, mas será que ela responderia? Eu tinha um trunfo. Nas minhas buscas, eu encontrara uma reportagem do JB com o título “Voaram 8000 km para abraçar o vovô”. Na foto, aparecem Oscar O’Neill Jr (de terno e chapéu), sua esposa Irene e os pequerruchos Jennifer, com 2 anos, e seu irmão Michael, com 3, numa viagem que fizeram ao Rio em 1950. Com certeza, a menininha da foto ficaria feliz com aquela preciosidade.          

E ficou. Jennifer me respondeu no mesmo dia. Eu fiquei perplexo. Acho que era meu dia de sorte. Primeiro ela me agradeceu pelo presente. Depois disse que adorava o Rio, mas que havia morado na cidade por muito pouco tempo. Após aquela viagem aos 2 anos, ela havia retornado apenas mais uma vez, aos 11, pra passar um verão com os avós, que ainda moravam em Ipanema e tinham uma casa nas montanhas. Contou-me que fora criada nos Estados Unidos e que so sadly não falava português. Despediu-se desejando-me bênçãos.  

Aos 76 anos, de cabelos lindamente brancos, Jennifer O’Neill conserva aquela aura de beleza mítica a que me referi acima. Conserva também seu prestígio como atriz de cinema: Jen fará uma participação especial em Reagan, novo filme de Dennis Quaid, onde ela será Nelle Reagan, a mãe do ex-presidente. Além desse, ela me contou (nós já somos quase amigos) que escreveu e atuará em mais dois filmes a serem produzidos: Hillenglade e Remember.

Fora do showbiz, Jen tem uma fazenda para equoterapia em Nashville, escreve livros, ministra palestras e envolve-se em campanhas humanitárias. Que vitalidade tem essa adorável senhora! Foi legal resgatar um pouco da sua história, seus filmes, suas raízes brasileiras. Mais especial ainda foi ter participado desse roteiro, ainda que como simples ator coadjuvante. 

Rio, março/2024

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9 COMENTÁRIOS

  1. Texto leve, interessante, narrativa instigante. Memorável relato! Parabéns, Luciano, sua escrita continua nos surpreendendo em todos os gêneros literários!!!

  2. Todos nós temos na memória aquelas heroínas da adolescência que, como a desta história, se entranharam até em nossos sonhos, mas poucos podem contar a história deste relato: descobrir que nasceu em nosso país e, além disso, ter a sorte de que nos responda um e-mail. Eu adoraria ter uma história semelhante. Linda história e, sobretudo, bem contada. Até me dá ideias: Luciano, você tem o e-mail da Brooke Shields?

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