O Campeonato Carioca é considerado por muitos como o Estadual mais ”charmoso” do Brasil.
Muito dessa atribuição tem a ver com o fato da competição ser disputada, além dos clubes grandes, por alguns times de bairro. Entre eles, há um abismo financeiro, estrutural e de calendário na sequência do futebol brasileiro durante a temporada, e o Estadual é praticamente a única possibilidade de junção desses 2 patamares completamente diferentes.
Em 2020, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco têm como concorrentes, por exemplo, Madureira e Bangu. Em outras edições, equipes como Olaria e Bonsucesso – que atualmente estão na Série B – faziam parte do ”1º escalão” do Cariocão.
E no último sábado (01/02), os ”anfitriões de bairro” do Campeonato Carioca 2020 se enfrentaram, pela 5ª rodada da Taça Guanabara, 1º turno do Estadual. Madureira, representando a Zona Norte, e Bangu, símbolo da Zona Oeste, empataram em 0 a 0 no Estádio Aniceto Moscoso, popularmente conhecido como Conselheiro Galvão, casa do Tricolor Suburbano.
Mas, neste caso, o resultado do jogo fica um pouco de lado. O DIÁRIO DO RIO esteve por lá e conta para vocês um pouquinho da experiência de assistir a esta partida e os fatos curiosos que a cercaram.
A começar pela porta do estádio, que fica bem próximo a uma das entradas do popularíssimo Mercadão de Madureira. Lá, aqueles torcedores – das duas equipes – que gostam de entrar somente minutos antes da partida aguardavam, comendo pipoca, e tinham clima relativamente amistoso uns com os outros.
Chegando lá dentro, a lanchonete do Madureira Esporte Clube, tradicional ponto de encontro do local, estava bastante cheia, com torcedores do time da casa – que já haviam entrado – almoçando e conversando entre si, projetando a partida e uma possível ida às semifinais da Taça Guanabara, já que o Tricolor Suburbano está bem colocado na classificação.
O mesmo não se pode dizer da torcida do Bangu, já que o time ocupa a última colocação do Grupo A. Assim que o treinador Eduardo Allax adentrou ao gramado, caminhando em direção ao banco de reservas, os torcedores alvirrubros que ocupavam a arquibancada de Conselheiro Galvão o hostilizaram de maneira bastante pesada. Talvez aceitando as ”críticas”, ele preferiu não rebater.
Antes da bola rolar, um momento especial. Evaristo de Macedo, grande personagem do futebol carioca, atualmente com 86 anos, deu o pontapé inicial da partida e foi ovacionado por ambas as torcidas.
Quando a bola rolou, o que se viu foi um Bangu um pouco melhor no 1º tempo, e isso levava preocupação à torcida do Madureira, que lotava as sociais do estádio.
Na 2ª etapa, o Madureira equilibrou a partida e, de certa forma, ”encurralou” o Bangu, criando as melhores chances. E isso, obviamente, fez crescer a empolgação de seus torcedores.
Num determinado momento, uma cena, digamos, inusitada. Quando o técnico Toninho Andrade, do Madureira, mexeu em sua equipe pela 1ª vez, trocou 2 jogadores. Alguns torcedores não gostaram, e ficaram reclamando. O treinador, então, se virou a eles e começou a gesticular, argumentando o porquê das substituições. E aparentemente deu certo, os torcedores entenderam e aceitaram as explicações. Situação que só um estádio raiz permite que aconteça.
E para quem pensa que esse tipo de jogo não tem transmissão, está muito enganado. A Rádio Bangu FM, por exemplo, como o próprio nome já diz, corresponde ao bairro da Zona Oeste e estava lá para acompanhar o Alvirrubro.
”É um motivo de orgulho fazer parte desta partida memorável entre duas forças do futebol carioca. Madureira e Bangu, clubes de bairros que influenciam no desenvolvimento econômico da cidade, aliados à magia da cultura e do samba. Presenciar duas torcidas apaixonadas, fiéis, independentemente da situação do clube no campeonato. E a cereja do bolo: Evaristo de Macedo dando o pontapé inicial e falando ao microfone da Rádio Bangu. Muita felicidade”, disse Robson Barros, narrador da Bangu FM.
Quando acabou a partida, alguns torcedores mais exaltados do Madureira, sabe-se lá por quais motivos, começaram a xingar e provocar os do Bangu, que se encontravam na arquibancada, do lado oposto. E eles rebateram. E o curioso é que a saída deles seria pelo mesmo portão. Mas, para felicidade de quem preza pela paz, nada de mais grave aconteceu.
E justamente nesse clima de paz, os familiares dos jogadores do Madureira aguardavam a saída dos atletas próximo à lanchonete, e eles chegavam ali, sorridentes.
Para encerrar, aquele ”suco de futebol carioca”. Os jogadores do Bangu na calçada do estádio, do lado de fora, aguardando o ônibus sair ou esperando seus carros de aplicativos particulares. Tudo isso em meio aos pedestres que ali passavam.
O futebol carioca raiz respira com Madureira x Bangu em Conselheiro Galvão num sábado à tarde. E o resultado do jogo é que o menos importa.