Ano passado, um marco na reforma urbana do Centro do Rio completou 130 anos de demolição. O lendário cortiço “Cabeça de Porco” cedeu espaço para as obras do Túnel João Ricardo, ligando a Central do Brasil à Gamboa. O evento, na época, atraiu uma multidão, que acompanhou a destruição de um dos maiores e mais icônicos cortiços cariocas, liderada pelo então prefeito Barata Ribeiro.
Construções, como o “Cabeça de Porco”, foram pilares da moradia popular no Rio. No século XIX, eles abrigavam trabalhadores livres, libertos e até escravizados, oferecendo um lar próximo aos locais de trabalho no coração da cidade. Eram comunidades vibrantes, como pequenos bairros dentro do Centro, com suas próprias dinâmicas sociais e culturais.
Entretanto, ao longo do tempo, os cortiços se tornaram alvos de atenção das autoridades. Epidemias e preocupações com a saúde pública levaram a medidas restritivas e demolições em larga escala, como parte das reformas urbanas de Pereira Passos no início do século XX.
Apesar das transformações, alguns cortiços resistiram ao tempo. Segundo levantamento do Observatório das Metrópoles em parceria com a Central de Movimentos Populares, ainda existem 155 dessas habitações na área central do Rio. Distribuídos por diversos bairros, como Santo Cristo, Gamboa, Centro, Lapa, Santa Teresa, Santo Cristo, Catumbi, Rio Comprido e Catete eles abrigam mais de 2,6 mil pessoas.
Muitos dos despejados do “Cabeça de Porco”, por exemplo, encontraram refúgio em uma outra moradia popular, na Rua Senador Pompeu, próximo à Central do Brasil, que continua de pé, mantendo viva a memória da cidade e tombado como Patrimônio Cultural Carioca. O espaço recebeu uma grande revitalização da Prefeitura em 2016, contando com obras de pintura e qualificação do complexo de imóveis.
A demanda por moradias como essas permanece alta, devido à proximidade com pontos de interesse da cidade e à disponibilidade de imóveis históricos abandonados. No entanto, a falta de regulamentação e a precariedade das condições de vida continuam sendo desafios urgentes a serem enfrentados.
Outro exemplo emblemático é o “Chora Vinagre”, na Rua dos Inválidos. Com 69 cômodos distribuídos em dois pavimentos, esse cortiço do século XIX mantém viva a arquitetura e a clima da época. Tombado pelo Patrimônio Municipal, o pátio descoberto ainda apresenta resquícios do piso em pé-de-moleque do fim do século XIX.
De todos os cortiços pesquisados, apenas oito oferecem banheiro no quarto. A grande maioria conta com banheiros coletivos e ausência de cozinhas, mesmo as coletivas. Mais de 60% dos cortiços não têm qualquer tipo de contrato entre locador e locatário e 38% dos moradores pagam um aluguel entre R$ 500 e 800 reais.
A invisibilidade urbana e social é um traço marcante na história dos cortiços no Rio, representando um aspecto essencial para compreender as vivências e desafios enfrentados pelas pessoas que habitam esses espaços urbanos.