O romance A casa do pai, da espanhola Karmele Jaio, passa-se no País Basco (norte da Espanha) e é narrado a partir de três pontos de vista: o de Ismael, escritor que passa por um momento de bloqueio criativo; o de Jasone, esposa de Ismael, funcionária de uma biblioteca e revisora do trabalho do marido; e o de Libe, irmã de Ismael e amiga de longa data de Jasone.
Tanto Ismael quanto Jasone estão assustados com a notícia de uma jovem que foi sexualmente agredida em uma cidade próxima. Ismael relaciona o ocorrido à violência da luta armada pela independência do País Basco, enquanto Jasone, que faz parte de um grupo de leituras feministas, encara o crime como um marcador de violência de gênero. Libe relaciona as duas violências: a de gênero e a luta armada. O silenciamento da mulher e de todo um território.
A trama, em si, é pouco movimentada, mas muita coisa acontece no interior dos personagens, que relembram episódios do passado – tanto o pessoal quanto o do País Basco – como forma de compreender o que se tornaram no presente.
Ismael, desprezado pelo pai na adolescência por não corresponder ao ideal de masculinidade que se esperava dele, acaba reproduzindo preconceitos que já estão internalizados. Sua esposa Jasone não é basca, situação que Ismael faz questão de enfatizar a todo momento – o que é uma forma de agressão em um lugar no qual a identidade nacional é extremamente valorizada. Além disso, ele perpetua em sua casa comportamentos misóginos adquiridos durante a infância e a adolescência na casa de seu pai – a que dá título ao livro. Não valoriza o trabalho intelectual de sua esposa, que no passado também escrevia, tratando-a apenas como uma espécie de escada para o seu próprio sucesso. Seu egoísmo faz com que Jasone muitas vezes se sinta invisível.
“Nos últimos anos, subi e desci, caí e me levantei. O que me aconteceu nesse período foi um terremoto que certamente movimentou os azulejos da cozinha, e como não os movimentaria, e o piso da sala de jantar e o do nosso quarto, as paredes do corredor da nossa casa. (…) Ismael não se deu conta de nada, não sentiu o mínimo tremor, fechado que estava em seu bunker.”
A casa do pai, publicado no Brasil em 2021 pela Editora Instante, traz importantes questões feministas – por exemplo, como a violência de gênero nem sempre é algo gritante, pois pode estar presente nos comentários e comportamentos mais sutis, mas que ferem igualmente – e investiga como a criação de uma identidade nacional passa por um ideal de virilidade, pela questão da língua e identificação. A autora faz uma relação entre estas questões políticas e a dinâmica íntima da família, resultando em uma obra singular que gera reflexões necessárias.
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Livro: A casa do pai
Autora: Karmele Jaio
Editora: Instante
Páginas: 176