Em 1953, no seu segundo ano de relacionamento com Peter Lacy, o pintor americano Francis Bacon (1909-1992) produziu o quadro Duas figuras [Two Figures], que retratava um casal – ele e Lacy – fazendo sexo. Não é um quadro romântico. Bacon inspirou-se em fotografias de lutadores para retratar o casal de forma crua e visceral, quase violenta, porque era assim o seu relacionamento com Lacy – dramático e violento.
São também viscerais as representações do amor que encontramos em Coisa Amor, primeiro livro de Pedro Jucá. Composto por 15 contos, a obra tem como temas a morte e o sexo como marcos limítrofes do amor. Os personagens se encontram na beira, no limite daquilo que pode ser considerado saudável em um relacionamento – seja ele de que natureza for. Em um dos contos, chamado “Years of solitude”, o vínculo de um filho com a mãe doente imprime uma marca dolorosa que influencia todos os
relacionamentos do rapaz:
“(…) todo amor chegaria até ele atravessado ao desafio impossível de se livrar da própria mãe. (…) Todo carinho e todo cuidado que viesse a conhecer estariam, de saída, destinados à ruína, colados à imagem daquele primeiro, inelutável amor.”
Relações familiares, solidão, fetiche, loucura, desejo. Tudo isso pode ser encontrado nas páginas de Coisa Amor. O conto que dá nome ao livro traduz o amor em uma cadeia de reações físicas que ocorrem quando uma pessoa sente atração por outra. Axônios, dendritos, dopamina, endorfina e serotonina se unem para formar uma visão crua do sentimento que é visto quase sempre como algo sublime e elevado.
Os contos escritos por Jucá provocam incômodo, porque tocam no que há de mais profundo e sombrio na experiência humana. Aquilo que tentamos deixar escondido, mas que, de alguma forma, nos constitui. São questões universais retratadas em personagens que muitas vezes não respeitam os limites e levam essa experiência humana ao extremo, como se estivessem esticando um elástico para testar: depois que arrebenta, ainda é amor?
No conto “Ela”, o mais longo do livro, acompanhamos a decadência do narrador, um engenheiro militar aposentado, que vive com a esposa e uma das filhas. Neste conto, o que está em jogo são as relações de poder que podem entremear um relacionamento. A frase inicial já dá o tom do que encontraremos em seguida: “Lygia foi minha mulher e minha vida, e eu a amei como a pude amar.” A partir daí, ele começa a contar como foi a sua vida desde que ele e Lydia se conheceram. O personagem narra com naturalidade seu comportamento abusivo com sua mulher e seus filhos. Reclama da comida, das luzes deixadas acesas, das notas vermelhas. É violento e estúpido, mas acredita ser um bom marido por amar Lygia e nunca ter procurado outra mulher. Era assim que ele podia amar.
Francis Bacon e Peter Lacy, assim como alguns personagens de Pedro Jucá, desde o início ampliaram (ou ignoraram) os limites do que se poderia considerar um relacionamento saudável. Bacon se apaixonou imediatamente quando reconheceu em Lacy alguém que exerceria sobre ele uma relação de poder – que muitas vezes é confundido com amor.
Uma das influências presentes na literatura de Pedro Jucá é a psicanálise. Para Freud, a Coisa [Das Ding] é o objeto perdido, que nunca pode ser possuído. O desejo que nunca é satisfeito. A pergunta que fica ao ler o livro de Jucá é: o que é, afinal, essa Coisa Amor?
Livro: Coisa Amor
Autor: Pedro Jucá
Editora: Urutau
Páginas: 152