Márcia Silveira: No dia em que não fui – feridas que perduram

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre o romance “No dia em que não fui”

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O romance “No dia em que não fui” (Patuá, 2024), de Andressa Arce, conta a história de uma perda dolorosa. Aos sete anos de idade, Alice conhece sua meia-irmã adolescente, Liana. Ao lado de Liana, Alice é apresentada a um mundo novo. As duas se tornam unidas e Alice passa a admirar e se inspirar na irmã mais velha, com quem descobre músicas (“Liana dedicou-se a fazer-me fã da Madonna”) e filmes. Porém, alguns anos depois, uma tragédia separa as duas irmãs. E Alice, ainda criança, aos dez anos, precisa lidar pela primeira vez com a morte de alguém próximo. Mais tarde, vê-se obrigada a cuidar das cicatrizes que perduraram no tempo.

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Narrado em primeira pessoa, o livro é dividido em três partes. Na primeira, chamada A meia-irmã da filha única, Alice conta como conheceu Liana. Antes do encontro, a meia-irmã era, para Alice, apenas “um amontoado de retalhos”. Ouvia histórias que os adultos contavam aqui e ali, mas não conseguia montar uma imagem completa de Liana. Até que o pai decide levar as duas filhas ao circo e, só então, Alice e Liana se conhecem. Uma tem sete anos, a outra, dezesseis.

A segunda parte do romance se chama A filha única sem meia-irmã e a linguagem utilizada pela autora passa a ser mais dura, assim como é dura a passagem de Alice pela adolescência, sentindo a falta da irmã mais velha. Sem saber lidar com sua dor, Alice se ampara na disciplina dos estudos, com rigidez exagerada – uma dor escondendo a outra (“Não tinha matéria favorita porque todas me percorriam, nutriam-me, machucavam-me.”). A obstinação aplicada nos estudos é a mesma que Alice aplica na busca por um corpo idealizado.

Na última parte do livro, nomeada O punho, ainda, Alice escreve cartas para Liana, nas quais expõe lembranças, sentimentos e as lacunas que ficaram após morte da irmã.

Eu me lembro de tanto e, ao mesmo tempo, de nada

Minha saudade é mais composta de sensação do que de lembrança

A sensação de ter tido uma irmã que me amou.”

Andressa Arce se inspirou na própria experiência para criar a narrativa, e cita como inspirações os filmes “Eu, Christiane F.”, “Garota, Interrompida” e “As virgens suicidas”, além do livro “A redoma de vidro” de Sylvia Plath. A leitura do livro de Andressa me trouxe à lembrança o documentário “Elena”, de Petra Costa, no qual a diretora refaz os caminhos percorridos pela irmã mais velha, que também partiu muito cedo.

Andressa Arce dedica seu romance às meninas adolescentes que em algum momento tiveram que lidar com uma ferida muito profunda. A autora ficcionalizou a própria história, expondo todo o impacto emocional que uma morte trágica provoca, principalmente em alguém tão jovem. A vazio no lugar do que “poderia ter sido” torna sempre presente a dor do passado. O livro de Andressa Arce mostra que é possível seguir em frente, mesmo sem esquecer.

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Livro: No dia em que não fui
Autora: Andressa Arce
Editora: Patuá
Páginas: 88

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