Márcia Silveira – ‘Rio, o Ori’: a cidade que não está nos cartões-postais

Colunista do DIÁRIO DO RIO opina sobre o livro, escrito por Valesca Lins

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Capa do livro ''Rio, o Ori'' - Foto: Divulgação

Nos anos 90, fazia sucesso nos bailes funk cariocas o Rap da Felicidade, cantado por Cidinho e Doca, que continha os seguintes versos: ”Nunca vi cartão-postal que se destaque uma favela / Só vejo paisagem muito linda e muito bela”.

A leitura de ”Rio, o Ori”, de Valesca Lins, me trouxe a lembrança deste rap, porque nas páginas do livro também está retratado o Rio de Janeiro que não é o dos cartões-postais. O que vemos ali é a vida do carioca suburbano, como a própria autora escreve na apresentação da obra: ”(…) uma galera que cria seus espaços a partir dos perrengues, que sobrevive apesar de toda adversidade e traz esperança consigo”.

”Rio, o Ori” traz histórias que se passam em diferentes épocas e têm personagens inspiradas em figuras emblemáticas, como Marielle Franco, Seu Ubirany e Mestre Monarco. A personagem principal do conto Kanduma Bilama é inspirada em Xica Manicongo, a primeira travesti não indígena do Brasil, capturada no Congo e levada para a Bahia como escravizada no século XVI. Na narrativa de Valesca Lins, ela é trazida ao Rio de Janeiro.

”Uma viagem feita nos calafrios e suor gelado do tifo, da malária e toda sorte de doenças; no balanço do mar azul morto que serviu de cemitério para meu povo. Do lado de cá do oceano, deixamos de ser gente. Ficamos apartados de nosso espírito”.

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Política, futebol e o carnaval não poderiam faltar nesta mistura que constitui o Rio de Janeiro das ruas, do subúrbio, das favelas. Símbolos da cultura popular carioca são encontrados nas páginas do livro, como a comemoração do dia de São Jorge, as rodas de samba, o baile funk, um jogo do Flamengo no Maracanã. São os respiros, os momentos em que a população, que passa por tantas dificuldades, consegue se desligar dos problemas e aproveitar, com alegria, sua carioquice.

Já escrevi nesta coluna sobre o livro Filosofias Africanas, de Nei Lopes e Luiz Antonio Simas. No capítulo dedicado aos povos Iorubá, os autores falam sobre o conceito de Ori, que significa ”a essência da sorte e a mais importante força responsável pelo êxito ou pela derrota de um ser humano”.

Ori é a mente humana, a individualidade, o ser mais íntimo de cada pessoa. No título do livro de Valesca Lins, a cidade do Rio, com sua diversidade cultural, alegrias e tristezas, é o Ori, responsável pela essência de cada um daqueles cariocas retratados nas páginas de seus contos.

O lançamento do livro ”Rio, o Ori” ocorreu numa livraria tradicional carioca, a Folha Seca, no centro da cidade. Logo que cheguei, avistei ali pelas redondezas o historiador Luiz Antonio Simas, conhecido pesquisador da cultura e história das ruas cariocas, frequentador assíduo daquelas vizinhanças. Usava um boné verde, blusa do Botafogo, bermuda e – carioquice das carioquices – chinelos. Ao ler o livro, achei emblemático ter encontrado ali o professor Simas, alguém que conhece tão profundamente a cidade do Rio. É desse Rio de Janeiro profundo que também fala o livro de Valesca Lins.

  • Livro: Rio, o Ori
  • Autora: Valesca Lins
  • Editora: Appris (Selo Artêra)
  • Páginas: 94

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