Ao ler Cama Rainha, da escritora e editora Dani Costa Russo, eu me lembrei dessa passagem do livro A ridícula ideia de nunca mais te ver, de Rosa Montero: “A criatividade é justamente isto: uma tentativa alquímica de transmutar o sofrimento em beleza. A arte em geral, e a literatura em particular, são armas poderosas contra o Mal e a Dor.” Cama Rainha conta a história de ascensão e queda de um relacionamento. Uma história real de dor, que Dani Costa Russo transformou em beleza por meio de anotações de seu diário, fotografias e poesia. O início do livro traz trechos brutais, de uma realidade dolorosa – e, infelizmente, mais comum do que gostaríamos:
“As mulheres retalhadas, espancadas, quase mortas, conseguem receber amor quando não estão mais em perigo? Eu me escondo debaixo da mesa.”
O tom começa a mudar quando a autora passa a narrar a história do início de um romance que, dada a sua experiência em relacionamentos abusivos, parecia não ser real. Era uma nova possibilidade de amor que se apresentava: um relacionamento tranquilo, no qual ela pode se sentir à vontade para ser honesta; amar e ser amada.
“Ele é tão inundado de amor, mas sem cenários trágicos, sem afogamentos, sem lares submersos, sem a morte aquática. Posso mergulhar.”
Seu novo amor é português. Mas nem mesmo um oceano de diferenças parece obstáculo para aquela relação que inicia. Tudo é encanto, principalmente durante a viagem que os dois fazem por Portugal. No outro continente, ela se maravilha com paisagens que, para ele, são costume. Pode fazer de cada quarto de hotel “um teto todo seu” para escrever sem ser interrompida, porque o gajo sabe deixá-la em paz para criar.
Com o convívio intenso, no entanto, começam a aparecer as rusgas comuns aos relacionamentos. O ciúme, a vontade de um que não é a do outro, a teimosia. Além disso, o tédio, o desejo que ela começa a sentir de voltar para seu país. O rancor começa a se embrenhar pelas frestas do encantamento. E, nas páginas do livro, é muito tênue o limiar entre sentir um leve tremor e o momento em que a primeira pedra do edifício desaba.
“Apanho, agora, uma seca monstruosa num caféà beira da praia, à mercê do vento cortante, frio e chato, porque insistiu que devo assisti-lo voar. Não quero ver um homem voar.”
A segunda parte do livro traz um poema no qual a autora descreve em versos as fases de seu luto pelo término inesperado. As palavras, que, em um relacionamento, muitas vezes são usadas como veneno, nestes versos são remédio para uma mulher invadida pela dor:
“Abriguei-me na cama rainha abraçada à aflição da ruptura, Nunca o vi comovido. Nosso término atingiu somente a minha estrutura.”
Para Rosa Montero, “o sofrimento agudo é como um arroubo de loucura”. De forma corajosa e admirável, Dani Costa Russo transformou seu tormento em palavras, na esteira da escrita de si de mulheres como a francesa Annie Ernaux. Seria formidável se todo sofrimento – já que não se pode evitá-lo – pudesse, da mesma forma, ser transmutado em arroubos de poesia.
Livro: Cama Rainha
Autora: Dani Costa Russo
Editora: Penalux (selo Auroras)
Páginas: 132