Um híbrido de ensaio e livro de memórias, ”Argonautas” nos leva numa interessante investigação pessoal empreendida pela escritora Maggie Nelson acerca de diversos assuntos, como: casamento, morte, questões de gênero, gravidez e relações familiares.
A escrita de Maggie é envolvente, pega a leitora e o leitor pela mão e não solta até o fim do livro. A autora fala sobre experiências marcantes de sua vida, sempre analisando-as com a ajuda de teóricos da psicologia e da filosofia, como Winnicott e Barthes. Sua relação com o marido Harry, uma pessoa de gênero fluido, está presente ao longo de toda a narrativa – o livro foi escrito para ele. Maggie fala sobre a transformação que acontecia na vida de Harry, que fazia terapia hormonal ao mesmo tempo em que ocorria sua própria transformação, com a gravidez e o nascimento do filho.
“(…) estávamos tentando engravidar, sem sucesso, havia mais de um ano. Eu me ocupava tentando distender minha parede uterina ingerindo montes de cápsulas fedorentas e amarronzadas e usando sementinhas grudentas de um acupunturista ‘de mão pesada’, ou seja, um que deixava minhas pernas cheias de hematomas; você tinha começado a se preparar para a cirurgia dos seios e as injeções de T [testosterona], que faziam o útero retrair. (…) parte de mim ainda queria que você mantivesse seu peito como era. Era uma vontade minha, não sua – ou seja, eu teria de me livrar dela rapidinho.”
Na mitologia, Argo era uma embarcação que, durante uma navegação que durou anos, precisou, aos poucos, ter toda a sua estrutura trocada pelos Argonautas, seus navegadores. A questão que fica é: ao fim da viagem, com todas as peças trocadas, a embarcação ainda é a mesma do início da jornada? E nós, após certas experiências transformadoras na nossa vida, ainda somos os mesmos, ainda que por fora estejamos diferentes?
“(…) eu te mandei o trecho de Roland Barthes por Roland Barthes em que Barthes descreve como o sujeito que diz “Eu te amo” se parece com ‘o Argonauta que renova seu navio durante a viagem, sem lhe mudar o nome’. Assim como as partes do Argo são trocadas com o tempo sem que o barco deixe de se chamar Argo, o significado de ‘Eu te amo’ deve ser renovado a cada uso da frase pelo amante, pois ‘a própria tarefa do amor e da linguagem consiste em dar a uma mesma frase inflexões sempre novas’.”
Em 2015, Argonautas foi eleito um dos livros do ano pelo New York Times e vencedor do National Book Critics Circle Award. No Brasil, foi lançado em 2017 pela editora Autêntica, com tradução de Rogério Bettoni.