Os jogos eletrônicos – popularmente conhecidos como games ou videogames – de fato já deixaram de ser uma área relacionada somente à crianças e adolescentes. Um mercado que movimenta bilhões de dólares no mundo inteiro, tendo ultrapassado o dobro da soma dos valores das indústrias do cinema e da música, segundo a Newzoo, o setor dominou a cultura pop dos dias atuais e tem fãs que já ultrapassaram as dezenas de anos de vida.
O fator econômico é uma clara demonstração do poderio do setor que lidera a economia criativa global, mas está longe de ser o único. A penetração de seus elementos culturais na sociedade, a interação de marcas não-endêmicas com campeonatos e ambientes gamificados tem sido outros campos onde não restam dúvidas: os games chegaram à fase adulta no Brasil.
E a chegada à maioridade no Brasil envolve um elemento bem identificado: a interação com a política e com o voto. Essa relação não começa em 2024, mas é perceptível que este ano inaugura uma nova fase desta relação, demonstrando que o setor de videogame não quer apenas divertir, mas também influenciar de maneira decisiva os rumos da dinâmica da sociedade brasileira.
Tendo sido iniciado em 2021, por autoria do deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), o Projeto de Lei 2796/2021 é uma demonstração de como o setor de jogos já tem chamado a atenção de políticos, ao menos dos mais jovens. Não é para menos: segundo a última Pesquisa Games Brasil (PGB 2024), mais de 70% dos brasileiros jogam algum tipo de jogo. E a maior parte está apta ao voto, tendo mais do que 16 anos de idade.
O projeto de lei de Kataguiri ficou conhecido como o “Marco Legal dos Games”, mas quase foi cooptado por atores de outras áreas, como os jogos de aposta, bets e afins. Após grande mobilização política do setor – de jogadores a criadores, passando pela imprensa e outros stakeholders – o setor conseguiu induzir a apresentação de um texto substitutivo que reorganizou o PL 2796/21 e apontou a legislação para que se tornasse aquilo que o país precisava.
O texto, sancionado pelo presidente Lula em 3 de maio deste ano e promulgado pelo Congresso Nacional no dia 6 do mesmo mês teve sua tramitação cheia de desafios típicos da política de gente grande, com necessidade de muita articulação no Congresso, no Executivo, junto à opinião pública e às redes sociais e foi, de fato, um marco. Mas parece ter sido não um ponto de chegada, mas um checkpoint típico dos games mais longos e complexos.
As eleições de 2024 se apresentam, portanto, como uma daquelas oportunidades em que os jogadores se fortalecem com novos itens (os chamados power-ups) para encarar as fases seguintes. E o setor organizado, mais uma vez, demonstra ter aprendido a jogar o jogo da política.
Em Fortaleza, no Ceará, a Associação Cearense de Desenvolvedores de Jogos (ASCENDE) produziu a “CARTA ABERTA DA INDÚSTRIA DE JOGOS DO CEARÁ” para convocar candidatos a prefeitura da capital e à câmara legislativa local a produzirem políticas públicas na direção do setor de jogos eletrônicos, efetivando direitos que vêm sendo conquistados em múltiplos fóruns populares locais.
Em São Paulo, a Rede Progressista de Games (RPG), que em 2022 já havia produzido a cartilha “Lula Play” a pedido do Instituto Lula para entregar ao então candidato à presidente, conseguiu que o candidato que lidera as pesquisas à prefeitura da capital, Guilherme Boulos (PSOL-SP) recebesse uma versão da cartilha entregue ao presidente em 2022, agora adaptada à realidade municipal e chamada de “Cartilha Boulos Play”, que pode ser lida na íntegra aqui.
Já no Rio de Janeiro, a Associação de Criadores de Jogos (ACJOGOS-RJ), tem cuidado de apresentar uma “carta-programa” ao máximo de candidatos à prefeitura e às câmaras legislativas. O prefeito da capital, Eduardo Paes (PSD-RJ) e de Petrópolis, Rubens Bontempo (PSB-RJ) já receberam, além de vários candidatos a vereadores.
O movimento é claro: ao aumentar a densidade política das ações relacionadas ao setor, poderemos ver iniciativas que aceleram o crescimento da atividade ligada a ele, gerando mais oportunidades para o aumento dos investimentos, geração de empregos, melhora da renda e inserção social.
Se o controle da política se faz no voto, parece que os gamers, finalmente, entenderam que os botões da urna eletrônica importam tanto quanto aqueles dos controles.
* Márcio Filho é presidente da Associação de Criadores de Jogos do Rio de Janeiro (ACJOGOS-RJ) e diretor executivo da GF Corp, empresa voltada para soluções gamificadas. Com uma trajetória sólida que abrange mais de duas décadas, destaca-se pelo seu engajamento social em defesa de políticas públicas voltadas para o setor de jogos, como na participação ativa na aprovação do Marco Legal dos Games. É especialista em Games e Sociedade, e atua diretamente no desenvolvimento de tecnologias enquanto potencializadoras da educação.