Marcus Vinicius Dias: O infarto da Saúde Suplementar

Colunista do DIÁRIO DO RIO fala sobre os balanços publicados do último trimestre das operadoras de saúde no Brasil

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Foto: Reprodução/Internet

Os balanços publicados do último trimestre das operadoras de saúde no Brasil confirmaram a hipótese diagnóstica previamente aventada: o seu ecossistema está no CTI, respirando por meio de aparelhos, e a circulação da corrente financeira é mantida por meio de medicações. O plantonista da unidade já avisou aos acionistas: algumas tiveram uma parada de fluxo e precisaram ser reanimadas; muitas não sobreviveram! A apreensão por esses “doentes” não se limita ao universo corporativo. Esse luto, a se confirmar o prognóstico, alcançará, para além de funcionários, fornecedores, prestadores, expectativas de receitas tributárias, estatísticas de desemprego, o sistema público de saúde e, especialmente, sua excelência, o usuário. É uma típica situação de “perde-perde” generalizada. No atual cenário, só temos viúvos e cadáveres.

?    Embora as manchetes de jornal estejam dando ampla publicidade ao boletim de saúde financeira das operadoras, todos os expertos no assunto já sabiam do quadro real, de modo que não é surpresa para ninguém do setor. E o quadro tampouco é agudo. Trata-se de paciente crônico, com inúmeras comorbidades administrativas, legislativas, regulatórias, judiciais, assistenciais e de autocuidado. Nosso sistema de saude é doente. E, uma vez agudizado, irá requerer manobras heróicas de ressuscitação. Não se trata de um problema de um único ponto do ecossistema, mas do conjunto todo, com o perdão do pleonasmo. Precisamos revisitar o prontuário desde o início e corrigir, parâmetro a parâmetro, todas as disfunções que, ao longo dos anos, levaram nosso sistema ao estado de coma.

Mas o que move o espírito da saúde é a expectativa da recuperação, da cura. E diante de um paciente em estado crítico, a motivação pelo êxito do tratamento se multiplica, de modo que embora estejamos frente a um cenário de gravidade, não é, em hipótese alguma, o caso de se entregar o ecossistema da saúde suplementar aos cuidados paliativos. Nosso juramento nos impõe investir no paciente, estudar o caso, discutir com os colegas e rever tudo o que foi feito até o momento buscando, de modo sincero, eventuais erros, para que se possa corrigir a conduta e recuperar o nosso paciente. 

Na revisão do caso clínico, notamos que a legislação criou um modelo que, embora tenha uma base atuarial, foi tratado, em diversos momentos do quadro, como se fosse filantrópico, esquecendo que uma incorporação de “graça” aqui, vai ser cobrada logo ali. Outro ponto da evolução registrou um sistema administrativo arcaico, com inúmeros níveis hierárquicos para a prescrição das ações gerenciais, o que além de encarecer o preço final do remédio, leva a distorção entre o que é prescrito no nível executivo e o que é aplicado pelo profissional na ponta. 

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Outra questão notada é que, em algum momento, foi optado por trazer à equipe um ator hiper especializado, voltado exclusivamente para o aspecto regulatório do sistema. O objetivo era agregar a qualidade do especialista e usar o seu conhecimento para a tomada de decisão dos distúrbios regulatórios. No entanto, aqueles mesmos que trouxeram a regulação para o caso, passaram a ignorá-la e a contrariar suas recomendações. 

Em determinado momento do prontuário, surge a figura do justo, que com o intuito de equilibrar as forças entre os atores envolvidos neste ecossistema, acabou se hipertrofiando e, no afã de justiça, criou insegurança e imprevisibilidade, aumentando ainda mais o distúrbio de base e concorrendo para o agravamento clínico do quadro.

Naturalmente, nossa revisão mostrou a inconsistência nas células de branco, que estimuladas a performar por meio da quantidade, abdicaram de seu compromisso fundacional com a qualidade, e acabaram por se reduzir a combatentes da doença em vez de promotores da saúde. Por fim, mas não menos importante, a letra fria do prontuário evidenciou o desleixo da razão de ser deste ecossistema consigo próprio. Embora munido de um nível de informação sem precedentes na história sobre como se cuidar, sobre como evitar o agravo e de como promover seu bem-estar, o cliente abriu mão da autoria sobre a história da sua saúde e terceirizou todas as mazelas de seu estado aos outros membros do ecossistema.

Quando a culpa não é de ninguém, a responsabilidade por corrigir um problema passa a ser de todos. Assumir a autoria de sua história, e agir de modo sincero sobre o erro que lhe coube no processo é um primeiro passo. É claro que não é o suficiente, mas é o ponto de partida sem o qual o óbito não é evitado. Que uma metáfora sobre um paciente em uma unidade de terapia intensiva, lutando pela sobrevivência, se aplique, apesar da limitação expositiva do autor, ao sistema de saúde suplementar não é algo auspicioso. A imensa maioria dos motivos que levaram o ecossistema à beira da extrema unção é conhecida por muitos e povoa os seminários, fóruns, reuniões de conselho e as teses acadêmicas. Agora é hora de colocar a mão na ferida e suturá-la. Não se trata de criar um ecossistema de saúde, porque ele já existe. Trata-se de torná-lo sustentável e salvá-lo do infarto.

*Marcus Vinicius Dias é médico e gestor, com MBA em Gestão em Saúde pela USP e com Mestrado em Economia pelo IBMEC.

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