Marcus Vinicius Dias: Por que meu plano de saúde é tão caro se eu quase não o uso?

Colunista do DIÁRIO DO RIO opina sobre os planos de saúde e seus preços, por vezes considerados caros demais pelos consumidores

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Imagem meramente ilustrativa - Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Quem nunca ouviu essa frase? Ou mesmo já a pensou? Ao mesmo tempo em que é o sonho de onze entre dez brasileiros, o plano de saúde tornou-se, também, fonte de muita preocupação. Uma vez conquistado, o desafio é mantê-lo. E, para isso, é necessário que se consiga pagar o boleto em dia. É muito comum associarmos o preço da fatura do plano de saúde, especialmente após reajustes, a sua taxa de utilização. Dito de outro modo, um questionamento auto intuitivo, lógico sob vários prismas, é o “por que meu reajuste foi tão alto se eu, ou minha família, usamos pouco ou nada do plano no último ano”?

A explicação, sucinta, desta conta é que você e sua família não são os únicos que influenciam no cálculo da sua mensalidade do plano de saúde: em linhas gerais, uma coisa chamada sinistralidade do plano, que é uma conta do percentual de quanto foi gasto em relação ao quanto foi arrecadado com uma carteira (conjunto de pessoas além de você e de sua família que estão unidos, de forma mutualística, num plano de saúde) determina o preço. Imagine um bairro, formado por várias famílias: os Silva, os Resende, os Batistas etc. Imagine também que todos estão no mesmo plano de saúde. Pela regra mutualística os gastos (sinistro, no jargão dos planos) dos Silva e dos Resende pagos pelo plano de saúde são rateados pelos Batistas, mesmo que eles, ao longo de todo o período, não tenham gerado nenhum gasto para o plano.

Pelos gastos de outros, você acaba pagando mais, mesmo que não tenha utilizado o plano. E isso pode parecer ruim. Mas lembre-se que o inverso é verdadeiro. Se alguém de sua família passar 6 meses internado num CTI, esse custo, que é altíssimo, não vai ser todo pago por você, mas, também, pelos Resende e pelos Silva. Esse aspecto solidário do mutualismo é quem viabiliza que o risco, enorme de uns, seja diluído por muitos, e possibilita que um plano de saúde _ que se calculado para uma única família é impagável _ seja possível para 50 milhões de brasileiros.

Mas então não há nada que você individualmente possa fazer para pagar menos? Não. E Sim. Uma andorinha não faz verão. Se somente os Batistas utilizarem o plano de modo “racional” em nada mudará a sinistralidade da carteira a qual eles pertencem. Mas se os Silva, os Resende, enfim, todo o bairro passar a enxergar a saúde de uns como a de todos, as coisas mudam, e o preço pode não subir tanto. Mas o que significa esse “racional”? Ele começa por evitar a doença, que no jargão do setor é a tradução de se evitar o sinistro. Claro, nem todas as doenças são evitáveis, mas muitas são. Prevenção individual para ajudar o coletivo. Eis aí o modo mais eficaz de se ter saúde e de se cuidar do bolso. Nesse sentido, hábitos saudáveis e de autocuidado, se feitos de modo coletivo, são uma forma de se diminuir os gastos do plano e, por óbvio, o custo da mensalidade.

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Mas uma vez que se admite que nem todas as doenças podem ser prevenidas, deve-se se compreender a importância do diagnóstico precoce. Quanto mais rápido a detecção do agravo em saúde, maior a chance de cura; menor a quantidade de tratamento necessário; menor o sinistro; mais vida; menos custo. Visitas periódicas ao ginecologista, por exemplo, podem diagnosticar uma alteração em um estágio pré cancerígeno que, com uma pequena intervenção, cure a paciente e evite o avanço da doença e, também, a necessidade de quimioterápicos, usualmente custosos.

Mas há também os casos em que a prevenção e a detecção precoce não são possíveis. Nestas situações, é possível ser “racional”? Bem, respondo com um exemplo: imagine uma doença grave cuja cura seja possível e já consagrada em 99,5% dos casos com um remédio que custe 500 Reais. Mas recentemente foi lançado uma medicação que aumenta essa chance de cura para 99,7%. Ótimo, quem não vai gostar? Mas há um ponto a ser considerado. O novo tratamento custa 100 mil Reais. Mas você não pagará sozinho. Os Silva, os Resende, os Batistas vão rachar a conta contigo. “Que se dane”! Mas lembre-se, pau que dá em Chico, dá em Francisco… e amanhã quem pode estar rachando uma conta que não é sua, e que poderia ser evitável, é você!

Mas pense você numa outra situação? Os Batistas tem uma filha que é insatisfeita com a pontinha do seu nariz. Algo que a incomoda. A maioria das pessoas nem nota, e o seu namorado, inclusive, acha um charme. Mas a menina insiste em operar. Foi a diversos médicos que a desaconselharam mas, depois da décima opinião, um doutor indicou a cirurgia. Mas há uma questão: o plano de saúde da carteira do bairro não cobre gastos com cirurgia estética. O certo seria o seu Batista abrir mão da viagem de verão e pagar a cirurgia da filha. Mas eis que surge uma alternativa. O doutor propõe gerar um relatório que diga que a filha da família Batista tem um problema de respiração que atrapalha seu sono e, por isso, necessita de uma cirurgia corretiva do nariz. Bem, nesse caso o plano paga! Bom para todo mundo, certo? O médico ganha seus honorários, a menina corrige a ponta do nariz, e o seu Batista viaja com a galera nas férias… Errado! No reajuste da mensalidade dos Silva, dos Resende, e de todos as outras famílias do bairro, a conta da cirurgia da menina será cobrada.

Uma outra situação hipotética _ apenas para exercício coletivo de entendimento de onde vem parte da nossa mensalidade na saúde suplementar _ pode ser imaginada. A família Resende contratou um plano que dá direito a atendimento ambulatorial apenas. O corretor disse que por um pequeno acréscimo na mensalidade a cobertura hospitalar também estaria assegurada, mas o seu Resende disse que não precisava. O seu vizinho e amigo, seu Silva, alertou o risco de uma eventual necessidade de uma cirurgia e que sem a cobertura hospitalar os Resende ficariam na mão. O convicto seu Resende diz que não vê necessidade. Eis que um dia o Resendinho, caçula da família, quebra o braço e requer uma cirurgia; diante da cobertura ambulatorial, seu Resende assumiu o risco e deverá custear o procedimento com recurso próprio ou utilizar o sistema público de saúde, certo? Pois é, mas não foi isso que ocorreu. O seu Resende buscou o poder judiciário para ter direito a internação pelo plano de saúde. Embora ele não tenha pago por isso, como a família Silva pagou, ele obteve o direito. Mas advinha quem rachou parte deste custo? Os Silva, os Batistas etc.

Há ainda uma outra situação imaginária, mas verossímil. A vovó Batista passou por um procedimento cirúrgico no quadril. Felizmente correu tudo bem. Após a cirurgia ela tinha condição de alta para a enfermaria, e no dia seguinte, possivelmente, alta domiciliar. Mas os Batistas não tinham disponibilidade para passar aquela noite na companhia da vovó porque era o dia da formatura da primogênita da família. E, associado a isso, o diretor do hospital já havia sinalizado para a chefe do centro cirúrgico que havia leitos de CTI ociosos que precisavam ser ocupados. Diante deste cenário, o anestesista conversou com a família, discutiu o caso com a chefia do setor e enviou, por “segurança”, a vovó para passar a noite no CTI. Bom para todos, correto? Menos para os Silva e para os Resende que tiveram que pagar parte desta diária desnecessária de CTI.

O desafio em se manter a sustentabilidade do setor de saúde, seja público ou privado, é gigantesco. Uma só frente não será capaz de dar as respostas que o sistema requer. Múltiplas ações são necessárias e não me parece haver uma bala de prata. Já tive oportunidade de falar em outros artigos que a mudança do foco do preço _ que é, nos dizeres do bilionário Warren Buffet, aquilo que você paga _ para o foco em valor _ que é aquilo que você leva em termos de serviços de saúde _ pode ser uma solução para muitos dos problemas do setor. Mas não de todos. Consciência coletiva, senso de responsabilidade com sua própria saúde e ética são questões inegociáveis em relação a este tema. E isso se aplica de modo transversal aos usuários, aos prestadores e às operadoras. Quando um ou mais dos elos dessa corrente _ que precisa ser virtuosa _ se rompem, os justos acabam pagando pelos pegadores. E cada vez mais caro…

Marcus Vinicius Dias é médico e gestor público, com MBA em Gestão em Saúde pela USP e Mestrado em Economia pelo IBMEC

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