Na última semana o alvo de investigação das mídias foram os currículos Lattes de algumas figuras públicas que faziam questão de ostentar o título de estudante de Harvard. Criaram um conceito que para ser inteligente, basta incluir na biografia que estudou lá. Os atuais paladinos do país, pregadores da boa moral, costumes e da verdade, são esses que mentem sobre um simples currículo. São os que desejam, retirar o título de ‘Patrono da Educação Brasileira’ de Paulo Freire.
Esse Freire que é considerado um dos maiores pedagogos da história da humanidade. Dono de 41 títulos de doutor honoris causa, concedidos pelas melhores universidades dos mundo, que possuí uma estátua em sua homenagem em Estocolmo e é um dos autores mais citados no mundo inteiro em pesquisas nas áreas das ciências humanas. Inclusive, seu trabalho influenciou a educação em países como Suécia, Estados Unidos e Coreia do Sul.
Freire que teve seu método pedagógico proibido pela Ditadura Militar no Brasil, substituído pelo tecnicismo, voltado a criar uma massa trabalhadora sem criticidade. Aos que vão comentar que o método dele não deu certo no Brasil, um lembrete histórico: em 18 de Janeiro de 1963, aconteceu o lançamento do projeto “Experimento de Angicos” para 380 moradores da cidade de Angicos, interior do Rio Grande do Norte. O objetivo era usar palavras comuns para ensinar trabalhadores pobres a ler e a escrever.
Quem trabalhava no campo aprendia a escrever palavras como enxada, tijolo, terra. E, à medida que os alunos fossem aprendendo, o pedagogo que fazia parte do grupo iniciava uma discussão mais crítica com os estudantes. Se o aluno aprendia a palavra “tijolo”, por exemplo, iniciava-se uma discussão do tipo: você usa tijolos para fazer uma casa, mas você tem uma casa própria? Por que não tem? E isso fazia o indivíduo pensar sobre sua condição social.
Em 2 de abril daquele ano foi ministrada a 40ª hora aula, dada pelo presidente da República, João Goulart, com a presença de vários governadores do Nordeste e de representantes da Aliança para o Progresso. Naquele dia discursou para as autoridades o ex-analfabeto Antônio Ferreira; e a aluna mais idosa, Maria Hermínia, entregou cartas escritas pelos participantes do curso ao presidente.
Na ocasião foi notada a presença do General Humberto de Alencar Castelo Branco, fardado, comandante da Região Militar no Recife, que, ao final da aula, teria dito ao secretário de Educação do RN e coordenador do Serviço Cooperativo de Educação (SECERN), Calazans Fernandes: “Meu jovem, você está engordando cascavéis nesses sertões”.
Os fazendeiros chamavam a experiência de Paulo Freire de “praga comunista.” As 40 horas de alfabetização mostraram ao Brasil que a educação para jovens e adultos era possível e que o desenvolvimento do pensamento critico pelas classes menos abastadas causava desconfortos a classe que dominava a política e economia do país.
Veio a Ditadura Civil-Militar, Freire foi para o exílio e a estratégia dos militares funcionou. Lembram do MOBRAL? Os militares trocaram Freire por cartilhas! Um exemplo emblemático desse erro é o do comediante Danilo Gentili. Semana passada, foi questionado sobre sua crítica ao autor, ao que o humorista disse: “eu não gosto das pessoas que defendem Paulo Freire”. Complementou afirmando que leu “algumas coisas” do autor e que ele parece um “estelionatário”, que diz coisas sem sentido, como “Eva viu a uva”.
Quem realmente teve a oportunidade de ler Paulo Freire sabe que, ao contrário do que pensa Gentili, ele critica as tradicionais cartilhas, que trazem repetições sem sentido, como “Eva viu a uva” ou “A ave é do Ivo”, e propõe, para o trabalho de alfabetização, que seja feito, inicialmente, um levantamento do universo vocabular dos “educandos”, para que sejam escolhidas as “palavras geradoras”. Paulo Freire deu aulas em Harvard, nunca precisou mentir e nem dizer estudou lá. Afinal, é Harvard que estuda Paulo Freire.
‘Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo’. (Paulo Freire)