O Memorial do Holocausto, um novo espaço museológico na cidade em Botafogo, abriu suas portas para o público nesta quinta-feira, 19/1. Na exposição permanente, os visitantes podem ampliar conhecimentos sobre os acontecimentos que marcaram a história e ter acesso a relatos de vida dos sobreviventes.
A construção do Memorial do Holocausto no Rio começou a ser idealizada há mais de 30 anos pelo ex-vereador e ex-deputado estadual Gerson Bergher, já falecido. Um concurso organizado no final de década de 1990 pelo departamento fluminense do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ) teve como vencedor o projeto do arquiteto e urbanista Andre Orioli. Mas a proposta só saiu do papel mais recentemente.
Em construção desde o início de 2019, o memorial foi erguido no Mirante do Pasmado, em Botafogo. O local foi definido junto à Prefeitura do Rio que deu apoio ao projeto e cedeu o uso do terreno em 2018. A obra é de responsabilidade da Associação Cultural Memorial do Holocausto e contou com o patrocínio de empresas privadas. O Consulado da Alemanha também é parceiro da iniciativa. Em 2020, houve a inauguração da área externa que abriga um monumento de quase 20 metros de altura, dividido em dez partes, representando os Dez Mandamentos. Em sua base, foi escrita a frase: “Não matarás“.
Com a abertura das instalações da área expositiva, as visitas já podem ocorrer semanalmente de quinta-feira a domingo, a partir de 10h. A última entrada deve ocorrer às 17h. O acesso é gratuito, mas há um controle de fluxo e é necessário retirar ingresso antes por meio da plataforma Sympla.
Também é possível agendar visitas guiadas em grupo, através do programa educativo do memorial. Haverá ainda estímulo para excursões de estudantes das redes pública e privada. “Nosso objetivo aqui no memorial é educar e transmitir valores. E fazer isso mantendo viva a memória, mostrando para as novas gerações que isso existiu. Porque amanhã, num futuro próximo, as pessoas podem começar a achar que foi um filme de ficção. Manter preservada a memória é a única maneira de não se repetir um holocausto nazista com o passar dos anos“, diz Alberto Klein, presidente da Associação Cultural Memorial do Holocausto.
Ele disse que espaços como esse ajudam a sociedade a se preparar para coibir certos tipos de manifestação. “Discurso de ódio não é liberdade de expressão. Defender o extermínio de um grupo não é liberdade de expressão. É racismo e aqui na lei brasileira é crime“.
De acordo com Alfredo Tolmasquim, que coordenou o grupo curatorial formado por quatro pessoas, há diversas formas de provocar reflexões sobre o holocausto. Ele lembra que há memoriais em diferentes países ressaltam, por exemplo, a resistência armada ou o massacre nos campos de concentração. No Rio, o foco central recai sobre a história de vida dos sobreviventes. “Ao invés de falarmos de uma história de milhões, queremos contar milhões de histórias“, afirma.
Percurso
Ao visitar o interior da edificação, o público se depara inicialmente com um telão que apresenta rostos e citações de sobreviventes sobre o valor da vida. A partir daí, há um percurso dividido em três módulos. Cada um deles retrata um período cronológico. No primeiro, antes do holocausto, há informações sobre como era a vida das famílias antes da implantação do Estado nazista. Também há imagens da época, coloridas com auxílio de inteligência artificial, que revelam momentos do dia a dia nas escolas, nos locais de trabalho, nos bairros, além de festas, casamentos, encontros, etc.
A iluminação vai se escurecendo até a chegada do segundo módulo, que retrata o período do holocausto. A partir daí, as fotos ficam sem cor. São apresentadas informações sobre ações de discriminação até a deportação e o extermínio, revelando a luta das pessoas pela sobrevivência. Finalmente, no terceiro módulo, a reconstrução da vida após o holocausto se torna o foco principal.
“É importante falar desse período. Temos registros fotográficos das pessoas comemorando o fim da guerra. Mas imagina aquela pessoa que sai do campo de concentração, que perdeu a família, que não tem casa, que não tem trabalho, que não tem mais o vilarejo onde ela vivia. O que ela tem para comemorar? E essas pessoas conseguiram reconstruir suas vidas. Isso mostra a resiliência do ser humano. Mostra a nossa capacidade de recomeçar e de nos reconstruirmos por pior que tenha sido o que nós passamos. Mas também nos reconstruimos carregando os traumas e todas as consequências. Então podemos aprender muito quando olhamos para esse período após o holocausto“, avalia Tomalsquim.
A tecnologia acompanha a experiência ao longo de todo o percurso: é possível ouvir depoimentos, explorar um catálogo de sobreviventes, ter acesso a histórias de pessoas que chegaram ao Brasil, navegar por um mapa interativo que mostra os fluxos migratórios, etc.
“Não pensamos a tecnologia num sentido lúdico, como por exemplo ocorrem em algumas mostras científicas. Aqui não é essa a proposta. Mas com o espaço que temos, se a gente fizesse uma exposição tradicional, teríamos que limitar a quantidade de conteúdo. Aqui, se você quiser conhecer todas as histórias, você vai gastar pelo menos seis horas. Há muitas camadas de informação. Isso é uma coisa que a tecnologia nos permite“, diz Tomalsquim. Ele ressalta também que a linguagem tecnológica favorece a aproximação com as gerações mais jovens, o que é essencial para a proposta do memorial.
Outro ponto que o curador destaca é o olhar para todos os povos perseguidos: judeus, negros, ciganos, pessoas com deficiência, homossexuais, testemunhas de Jeová e maçons, além de comunistas e outros opositores políticos do regime nazista. “A proposta curatorial busca mostrar os efeitos que o preconceito, o racismo e a construção de estereótipos causaram na vida de todas vítimas“, reitera.
Direitos Humanos
Segundo Tomalsquim houve uma forte preocupação da curadoria com a transmissão de valores éticos e com a educação das novas gerações para os direitos humanos. Ele considera que o memorial se constitui como um local de reflexão sobre discriminações e perseguições contra vários povos e grupos sociais, que continuam ocorrendo no Brasil e no mundo. Ao fim do percurso, o visitante se depara com a frase: “O ódio e o preconceito permanecem reais”.
Anexo ao espaço da exposição permanente, há uma varanda. No local, haverá mostras temporárias com foco nos direitos humanos, de forma a transportar o visitante para realidades atuais da sociedade. Tomalsquim mostra que as instituições e os valores democráticos não são preservados automaticamente e por isso precisam ser cultivados e protegidos.
“O holocausto se tornou um elemento da memória da humanidade. Hoje é um elemento da memória mundial. Se tornou uma referência para a sociedade de uma forma geral até para classificar ocorrências do mundo atual. Mas é importante entender que o holocausto foi um acontecimento datado e específico na nossa história. Por outro lado, há violações de direitos humanos nos dias atuais que infelizmente dialogam com essa história. E daí a importância de nos mantermos vigilantes. Porque o holocausto não aconteceu de uma hora para outra. Os acontecimentos foram evoluindo gradativamente“, disse.
Construído em área de preservação, passou por cima da legislação para ser erguido. A Câmara Municipal do Rio fez uma lei especial para esta construção, ignorando todos os trâmites necessários à aprovação (audiência públicas e outras) e o Estatuto das Cidades. Nada contra o memorial em outro local. A forma de implantação deste não condiz com os ideais que pretende promover.
Memorial é feio de doer