Folhear um livro ou um gibi em quadrinhos para escolher a história mais atraente. Esta é a nova rotina dos menores que cumprem medidas socioeducativas nas unidades de internação do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase). Uma vez por semana, encontros são promovidos nas 11 salas de leitura com as equipes pedagógicas e as bibliotecárias, onde os jovens podem escolher títulos e levá-los emprestados para os alojamentos. Já foram emprestados cerca de 1.120 livros.
“Este já era um plano antigo do Degase, que foi adiantado em virtude da pandemia. As visitas dos familiares estão suspensas, bem como as atividades esportivas e de lazer, como uma forma de proteger os menores da covid. A leitura tem sido uma ótima opção para que os jovens ocupem o tempo ocioso“, disse uma das pedagogas do departamento, Simone Barbosa.
Muitos nunca tiveram um contato próximo com a literatura e, a partir de agora, estão tendo a oportunidade de conhecer os diversos gêneros literários, entre clássicos, mangás e quadrinhos.
“Nas unidades com a faixa etária entre 12 e 14 anos, percebemos uma preferência maior pelas histórias ilustradas através dos mangás e gibis. Já entre os jovens a partir de 15 anos, muitos gostam de livros de fotografia, que lembram o cotidiano externo e publicações religiosas. Um pedido nos chamou a atenção, quando um interno solicitou um livro de Shakespeare. Apresentamos a ele “A megera domada”, contou Simone.
Na opinião do diretor-geral do Degase, Márcio Rocha, salas de leitura trazem a perspectiva de despertar nos adolescentes o interesse pelo conhecimento de algo novo.
“Assim como a pandemia é algo incomum para nossas gerações, ler passou a ser uma prática exercida por poucos. Ter um espaço para a prática da leitura nesse momento de distanciamento entre as pessoas passou a ser algo muito importante” , salientou Rocha.
Janela de oportunidades
O adolescente A., de 16 anos, afirmou que quer ter a oportunidade de conhecer histórias de terror.
“Quando eu tava na pista, não tinha o costume de ler. Comecei aqui dentro. Eu gosto de ler os gibis da Turma da Mônica. Levo pro alojamento e fico lendo, às vezes cada um pega um e a gente troca lá. Também queria ler histórias de terror porque nunca li e tenho curiosidade de conhecer. Nesse período de pandemia também estamos recebendo e escrevendo cartas. Colocar pra fora escrevendo é bom, eu me sinto mais calmo depois“, falou o jovem.
De acordo com a equipe pedagógica do Degase, neste primeiro momento do projeto – que teve início em abril – além do apoio na escolha dos títulos e gêneros, as profissionais também abordam a questão do cuidado com as publicações. Como existe um rodízio e até mesmo uma troca entre os jovens, é preciso que o manuseio seja feito de forma correta.
“Muitos só começaram a ter esse hábito da leitura quando ingressaram nas unidades do Degase. Ou seja, é preciso fomentar cada vez mais essa vontade nos nossos jovens. Um deles, por exemplo, leu a biografia do Mandela e se interessou ao saber que ele havia sido preso. A literatura liberta e, vai além: cria e amplia os horizontes. E, é exatamente isso que estes menores precisam neste momento da vida de cada um“, finalizou a pedagoga.
“Eu já tinha o costume de ler a bíblia e passei a ler mais aqui dentro. Às vezes eu tenho dificuldade de entender o significado de algumas coisas e um agente me ajuda. Ele me falou para ler os salmos que eu ia entender melhor e foi muito bom. À noite, às vezes, eu leio alguns trechos da bíblia para os colegas de alojamento e depois a gente fica conversando sobre o que a gente entendeu daquilo. Quero participar de mais atividades de leitura porque é sempre bom poder sair do alojamento e pensar em outras coisas“, disse P., com 15 anos.
Onze salas de leitura foram inauguradas ou revitalizadas nos últimos meses, em parceria com as secretarias de Estado de Educação de Cultura e Economia Criativa.
Aos 17 anos, J. tem preferência por poemas. Para o menor, a leitura serve de inspiração para composições.
“Atualmente, estou com um livro de poesia que peguei emprestado na sala de leitura. Eu gosto de ler poesia e ver como as pessoas escrevem, porque eu gosto de escrever e compor músicas também. Uma das técnicas (assistente social) fez um trabalho comigo para eu contar as coisas que já vivi, da minha história e de outras pessoas. Fiz uma música falando da realidade que eu conheço. Eu leio para ter ideias e escrever.