Mesmo com leis que garantem o acesso gratuito, idosos têm dificuldade para conseguir fraldas geriátricas

Uma lei federal de 2015 fala na distribuição obrigatória de fraldas descartáveis pelo Poder Público em Unidades Básicas de Saúde; outra de 2020 colocou as fraldas na cesta básica, o que deveria facilitar o acesso ao item essencial para muitas pessoas. Além delas, há o Programa Farmácia Popular. No entanto, por diversos motivos, muita gente ainda não consegue ter as fraldas

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Dona Magdalena da Silva, de Duque de Caxias, está acamada e precisa usar fraldas

Martha, filha de Maria da Caridade Santos, já até desistiu de retirar, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, fraldas geriátricas para a mãe. De acordo com o projeto de lei N.º 328/11, aprovado em 2015, de autoria do então deputado Hugo Leal, Unidades Básicas de Saúde (UBS) têm a obrigação de conceder fraldas descartáveis a portadores de necessidade especiais e idosos, com receita médica e documentação. Maria da Caridade tem 76 anos e está acamada, pois quebrou o fêmur há um ano. E há um ano, Martha e as irmãs, que pararam de trabalhar para cuidar de dona Maria, tentam sem sucesso conseguir o que têm direito.

O laudo médico para a retirada das fraldas precisa ser renovado de seis em seis meses. O que é um problema na maioria dos casos, segundo as pessoas que cuidam de quem precisa das fraldas geriátricas, porque não é fácil tirar os necessitados de casa para avaliações médicas.

“Minha mãe tem mais de 100 kg. A gente tem tanta coisa para resolver com a minha mãe, que fica muito difícil. Meu pai é aposentado, ganha um salário. Minha mãe não tem aposentadoria. Eu estou fazendo unha em casa para conseguir algum dinheiro. Tudo para minha mãe, inclusive as fraldas, a gente que rala e tenta conseguir, comprar”, conta Martha.

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Maria da Caridade Santos em sua casa, Duque de Caxias

Na tentativa de obter as fraldas geriátricas para a mãe, Martha apresentou toda a documentação necessária, o laudo médico, e fez a petição à Defensoria Pública, seguindo todo o processo que precisa ser feito. Até hoje, quase um ano depois, não teve nenhuma resposta.

“Não mandam mensagem, a gente mandava mensagem e não era respondido, então, deixamos para lá. A gente passa uma dificuldade muito grande e estamos correndo atrás por nossa conta, sem apoio de ninguém”, disse Martha.

Cristiane, sobrinha de Magdalena da Silva, vive situação parecida com a da família de Maria da Caridade Santos. Sua tia Magdalena, hoje com 85 anos de idade, teve um surto psicológico quando tinha 21. Há quatro anos, ela começou sofrer de labirintite, acabou caindo e também quebrou o fêmur. Está acamada, usando fraldas e por isso adquiriu escaras no cóccix. Escaras são lesões e feridas na pele que surgem como consequência de uma grande pressão aplicada na pele.

“Nós pegamos fraldas geriátricas lá na Secretaria de Saúde, em Jardim Primavera, Duque de Caxias. Mas eles pedem o laudo de seis em seis meses. Como vou pegar esse laudo se minha tia não consegue ir ao médico? Nem sair da cama, ela sai”, frisa Cristiane.

Além disso, Cristiane afirma que as fraldas que recebe para a tia em Duque de Caxias são de péssima qualidade. Algumas vêm até vencidas.“Eu fico indignada com essa situação, que eles fazem com o povo. Porque a gente paga para ter um tratamento melhor, o SUS não é de graça, cobra nossos impostos”.

Outra lei (N.º 8964), essa de 2020, que teve a autoria dos, à época, deputados Rosenverg Reis (MDB) e Renan Ferreirinha (PSB), além de 29 coautores, colocou as fraldas geriátricas na cesta básica. Outra determinação legal que garante que as fraldas sejam mais acessíveis às pessoas com menor poder aquisitivo é o Programa Farmácia Popular, criado 2004, durante o primeiro governo Lula.

As diretrizes do Farmácia Popular garantem que o Ministério da Saúde, em parceria com prefeituras e governos estaduais, ofereça, com redução de até 90% do valor de mercado, 112 itens, entre medicamentos, preservativos masculinos e fraldas geriátricas. O consumidor só precisa comparecer a uma unidade da Rede Própria e apresentar documento com foto, CPF e receita médica ou odontológica, caso necessário.

Todavia, na prática não tem funcionado tão bem. Empresários que vendem fraldas geriátricas explicam que, muitas vezes, não compensa entrar nesses programas, como o Farmácia Popular. O subsidio do governo demora a chegar, às vezes nem chega, ou é cortado. Por isso, muitas vezes, quem está vendendo o item seguindo as normas do Programa fica no prejuízo, considerando que fralda é um produto caro.

Sobre o Farmácia Popular, Gabriel Costa, um dos sócios da Mais Fraldas, estabelecimento totalmente voltado ao item em questão, explica que: “Com a receita médica, o idoso, ou a família, pode ir nas farmácias conveniadas e retirar a quantidade de fraldas definida pelo médico, e paga mais barato. Um produto que vendo hoje por R$ 26, pode ser comprado por 13 reais. Isso funcionou muito bem até cerca de quatro anos. Tinham muitas farmácias credenciadas, algumas marcas de fralda com maior circulação, então bastante gente tinha acesso. Mas de uns quatro anos para cá, o governo parou de dar essa compensação, através do subsidio, aos empresários, donos de farmácia, e muitos foram saindo do Programa. Essas fraldas são compradas a 18, 19 reais. Muita gente passou a ter prejuízo com isso e foram parando de ter essas fraldas no estoque. Então, quando a pessoa vai na farmácia que fornece os medicamentos do Farmácia Popular, ela não encontra fraldas geriátricas disponíveis”.

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Na loja da Mais Fraldas da Penha, muitos idosos vão tentar comprar fraldas através do Programa Farmácia Popular para poder pagar menos no item que custa caro para a maioria das pessoas de um estado como o Rio de Janeiro

Gabriel Costa conta, ainda, que praticamente todos os dias vai alguém à sua loja, que fica no bairro da Penha, perguntar se eles trabalham com o Farmácia Popular. “Não existe uma pesquisa definitiva, mas nas análises de mercado que temos acesso, fala-se que cerca de 80% das pessoas que precisam usar fraldas geriátricas não têm acesso ao item. O mercado é de apenas 20%. Fralda é muito caro. Um idoso que tem a fralda geriátrica em sua cesta básica vai gastar, em média, por mês, de 250 a 300 com isso. Sabemos que muitos idosos vivem com aposentadoria de um salário mínimo, gastam com remédios, sustentam outros familiares. Fralda vira luxo”.

Médicos apontam que não usar fraldas geriátricas quando a pessoa necessita pode causar doenças como infecções e outros problemas. “A fralda é um item de auxílio à higiene e promove a independência. Quando há necessidade do uso e a pessoa não dispõe deste recurso, ela pode entrar em isolamento social, pois o fato da incontinência pode gerar desconforto em um ambiente com mais pessoas e o isolamento pode gerar outras consequências”, informa Camilla Vilela, gerontóloga da Casa São Luiz, localizada no bairro do Caju, referência em residencial para a terceira idade, sendo a Casa de Idosos mais antiga do Brasil.

Atualmente, a Casa São Luiz utiliza cerca de 7.700 fraldas por mês. Entre todos os idosos que lá estão, 12 são da filantropia, sendo que 11 fazem uso de fraldas geriátricas. A Casa informa, inclusive, que está aberta a receber doações de pessoas físicas e jurídicas. “Sabemos que o uso de fraldas geriátricas é corriqueiro nos idosos que sofrem com problemas urinários ou que tem limitações de mobilidade. Como os idosos têm o direito de acesso a esse item, uma forma de garantir que isso aconteça é através de um maior acompanhamento da atenção primária com atendimento domiciliar, desta forma toda a população 60+ teria acesso via Unidade Básica de Saúde (UBS)”, opina a gerontóloga da Casa.

Procurada sobre a entrega de fraldas fora da validade e de má qualidade, a Secretaria de Saúde de Duque de Caxias não respondeu os contatos feitos pela reportagem do DIÁRIO DO RIO.

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro informou, através de nota, que está apurando junto ao munícipio de Duque de Caxias sobre “qual o método de fornecimento de fraldas infantis e geriátricas vem sendo utilizado pelos equipamentos públicos para entrega de tais insumos diretamente à população que dele necessita”.

A nota diz, também, que “seja apurado internamente o porquê do encaminhamento automático dos munícipes à Defensoria Pública para obtenção das fraldas, tornando o processo mais burocrático e não obedecendo as atribuições legais existentes entre os entes; Seja instituído fluxo de entrega das fraldas de maneira mais condizente com a celeridade necessária em situações como essa, a fim de facilitar a liberação das fraldas a quem delas precise, independentemente de qualquer ato por parte da Defensoria Pública. Sem mais para o momento e certos de sua atenção para com o caso aqui posto, aproveitamos a oportunidade para renovarmos protestos de elevada estima e distinta consideração”.

Para a defensora pública Alessandra Bentes, a situação é uma violação ao direito fundamental à saúde. “Tal prática cria um obstáculo absurdo para essas pessoas terem seus direitos além de ser ilegal r de burocratizar o processo, uma vez que o município já instrui às partes que somente será fornecido através de pedido da defensoria, esquivando-se de maneira oblíqua de cumprir seu papel” ressalta.

Veja a nota completa da Defensoria, em arquivo:

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