Miguel Fernández: Inútil Paisagem

O engenheiro Miguel Fernández y Fernández critica a obrigatoriedade da vistoria de gás nas unidades residenciais e comerciais

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Foto de suludan diliyaer/Pexels

Miguel Fernández y Fernández, engenheiro consultor e cronista

Infelizmente, e até porque ninguém reage, nossos legisladores vivem criando leis simplórias e desnecessárias que, se não são mal-intencionadas, são ingênuas e só aumentam as dificuldades que temos, em nosso dia a dia, para sobreviver. Às vezes são leis curiosas, às vezes ridículas. Exemplificando:

01 – É obrigatório o aviso “verifique se o elevador se encontra parado neste andar antes de entrar”!  Ora, pressupor que as pessoas estarão atentas para ler os avisos, mas não para ver o buraco à sua frente é, na prática, uma idiotice.

02 – Os rótulos das garrafas de água mineral são obrigados a informar: SEM GLÚTEN. Será que existe água com glúten? Será a da CEDAE? É um despropósito!

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03 – As embalagens de ovos informam: “20 Ovos tipo extra A”, mas são obrigadas a fazer constar a preciosidade: ALÉRGICOS, CONTÉM OVOS. Imaginem se ovos não contivessem ovos. Mas pelo menos ainda não obrigam a dizer que são de galinha (e não de galo).

04 – E nas estradas: “radar desligado” (há pelo menos dois na BR 101, em Itaboraí, há mais de 5 anos). Qual terá sido a motivação desses cartazes-aviso? Talvez alguém do DNER vendo tanta bobagem achou que bobagem ajuda a prosperar como dizia Rui Barbosa e “arregaçou as mangas”.

05 – E os estojos de primeiros socorros, os extintores (leis federais), obrigatórios nos carros, hoje não mais? Quantas multas?

06 – E os incineradores de lixo, depois os trituradores, durante muito tempo obrigatórios no Rio?

Tenho a impressão de que, aqui no Rio, somos campeões nessas coisas. Se for para atrapalhar ou criar complicações desnecessárias “tamo junto”. Ou será que é de propósito para os fiscais multarem (ou não), quem esquecer de colocar um aviso desses? Fico triste em dizer isso porque nossa família é toda carioca.

Estamos entrando em março de 2023, data limite para mais uma bobagem dessas: “todos os consumidores comerciais e domiciliares passam a ser obrigados a fazer, a cada cinco anos, uma vistoria das instalações de gás de suas unidades“.  (Curiosamente não se incluem unidades públicas, nem industriais, nem serviços).

Isso para atender à lei estadual 6.890/14 (oriunda do PL 762/2007 do então deputado estadual, Alessandro Lucciola Molon na época do PT e hoje no PSB. Fico aqui pensando: – Qual terá sido a motivação desse mineiro de Belo Horizonte (1971), formado em direito, ao propor essa lei? Teria acontecido algum lamentável acidente? Uma singularidade em dez milhões? Acreditar que, com essa lei, não acontecerão mais acidentes ou que serão reduzidos significativamente? Começar a proibir as pessoas de nascerem porque é perigoso viver? Para se gabar de ter apresentado e aprovado muitos projetos de lei? Afinal essas leis além de não contribuírem em nada, também não custam nada, é só aprovar. O custo é dos manés. Punem-se todos por causa de um caso ou outro, que sempre acontecerão e que sempre lamentaremos. Acontecerão sempre, porque imprevistos acontecem sempre.

Ora, o Molon, é pessoa inteligente, o suficiente para não precisar e não se deixar enredar numa furada dessas, embora possa ter sido assessoria ingênua ou um momento infeliz que todos podemos ter ou até uma demagogiazinha que esqueceu e passou (talvez um desafeto tenha ajudado). Não era para aprovar! Afinal, é uma lei que pressupõe que o morador é suficientemente apto a pagar um IPTU caríssimo, mas não é capaz de cuidar do seu imóvel. Só pode ter sido sabotagem ao Molon.

Quando tudo indicava que essa lei ia ser mais uma daquelas que “não colou”, afinal ficou desde 2007 para ser sancionada em 2014 e ia caindo no esquecimento, apareceu a AGENERSA (Agência Reguladora de Energia e Saneamento do Estado do RJ), em set2018, às vésperas das eleições (F. Dornelles estava governador) e publica a IN 73 (Instrução Normativa), regulamentando o assunto e transformando a piada em realidade: determina a obrigatoriedade de inspeção de segurança nas instalações de gás das unidades residenciais e comerciais a cada cinco anos, feita por empresas credenciadas pelo INMETRO (codinome “OIA – Organismo de Inspeção Autorizada”, sim, tem até sigla para estupefação dos burgueses e parecer sério e organizado)

O que já era desnecessário tornou-se um absurdo ainda maior: por quê “credenciado pelo INMETRO” e com profissionais registrados no CREA? Não existem as escolas de engenharia, fiscalizadas pelo MEC que outorgam diplomas a quem for aprovado? Esses diplomas credenciam os diplomados ao exercício profissional nas suas especialidades ou não? Porque os engenheiros não podem exercer sua profissão liberal como profissionais liberais (como aliás já o fazem nas autovistorias prediais)?

É um absurdo, que um engenheiro formado, tendo cursado e sido aprovado na cadeira de instalações prediais (água, esgotos, gás, ar-condicionado, elétrica BT, telefonia), ter que contratar umas empresas “credenciadas” para vistoriar a própria casa, cujas instalações projetou e inspeciona todos os dias. Não pode exercer sua profissão livremente? Se isso não é inconstitucional, o que será?

E ninguém reclama! Nem o Clube de Engenharia, nem o CREA, nem o sindicato, nem as escolas, nem o Molon, que já reclamou de tanta coisa justa! Ninguém! Quanto custa esse silêncio? A quem isso interessa?

Porque a ABNT surge quase como uma legisladora sem ser (é uma ONG)? Informalmente, consultei colegas de Belo Horizonte, São Paulo, Floripa. Parece que não há nem autovistoria predial nem de gás. E não parece que haja mais ou menos acidentes por lá.

É mais uma burocracia que teremos que pagar?  É mais um custo Rio de Janeiro? Uma vergonha para a engenharia também. Ao invés de fazermos engenharia estamos virando burocratas.

Parece que só há 10 (dez) empresas credenciadas pelo INMETRO e o serviço precisa, pela lei, ser concluído até fins de mar2023. Vão cortar o gás de mais da metade do Rio de Janeiro? Talvez de 100% das comunidades de baixa renda? Vou querer ver. Até Copacabana tem muitos prédios de baixa renda.

A Rio-Light, que diz estar em dificuldades econômico-financeira poque não consegue cortar a energia dos inadimplentes e dos clandestinos, deve ficar atenta, quem sabe uma lei parecida, uma “vistoria de instalações elétricas” lhe dá o respaldo jurídico para tal? Deixa de ser uma ação contra coitadinhos e passa a ser uma “proteção” aos coitadinhos que podem se eletrocutar sem querer. Genial!

Por outro lado, essas vistorias, orçadas entre 300 e R$ 500,00 por unidade, estão fadadas a ser fraudulentas. Ninguém em sã consciência é capaz de vistoriar, para valer, um prédio em Copacabana, com mais de 60 anos, encostado em mais dois iguais, por menos de 100 mil. Estão cobrando R$ 5 mil!

A parte boa da coisa é que vão acabar provando a inutilidade dos CREAs e / ou criando concorrência. Estou curioso: quem vencerá? Os CREAs? os INMETROs? As ABNTs? Ou o que está por vir?

O primeiro acidente com gás após vistoria e todas as leis cumpridas vai ter suas vítimas indenizadas por quem? Pelo INMETRO? pelo OIA? Pela ABNT? Pela AGENERSA? Pelo Molon? E quem morrer eletrocutado pelo chuveiro elétrico porque cortaram o gás?

Algumas academias de ginástica, oferecem duas opções aos alunos: ou leva um atestado médico ou preenche uma autodeclaração dos seus problemas ou da ausência deles e, se um aluno tiver um “treco” na academia, ela se encontra razoavelmente protegida porque o aluno se responsabilizou por si mesmo. Não precisou de lei.

Quando as barragens de Mariana e de Brumadinho caíram, estavam todas em dia com os CREAs, com os INMETROS, com as ABNTs, dizem que até com as igrejas da região. Mas caíram. Porque em vez de engenheiros prestigiados e bem pagos, com tempo para pensar no que estão fazendo, o dinheiro vai para as burocracias obrigatórias e inúteis. E gera balanços com lucros imediatos, fictícios a médio prazo, gerando acidentes, mas que impressionam os acionistas e que, basicamente, geram participações aos diretores nos anos em que são diretores. É aí que residem os problemas. O resto é Molon, quer dizer, moleza. É valente? Vai lá mexer com isso, quero ver.

É a indústria das inúteis “licenças” atrasando o país. São as capitanias hereditárias que permanecem. Desta vez capitaneadas pelo INMETRO, fora de sua necessária função padronizadora, diga-se.

Sem querer culpar os outros por nossas “infantilidades”, afinal eles estão defendendo seus interesses, cabe a nós defender os nossos, dou razão a um colega que vive dizendo que países mais desenvolvidos, já envolvidos em custos de melhoria de qualidade de vida, porque já superaram o estágio da fome e da miséria, subvencionam e estimulam muitas dessas atividades inúteis, através da divulgação de meias verdades para que nós tenhamos os mesmos custos que eles e não façamos nossos próprios produtos e investimentos por preços abaixo dos deles.

Finalmente, cabe dizer que, face o silêncio ensurdecedor das entidades já citadas e não citadas e de outros órgãos, públicos e privados, preocupou-me estar vendo fantasmas. Então, apresentei uma minuta deste artigo a colegas engenheiros do quilate do Adir BenKauss, do Alan Arthou, do Eduardo Jordão, do Flávio Miguez, do Luiz Edmundo C. Leite, do Haroldo M. Lemos, do Pedro Celestino e de outros em início e em meio de carreira, em busca de críticas e comentários e até para que não se diga que falo sozinho. Só recebi apoios, e sugestões alguns até mais contundentes, o que me confortou.

Não deixem de ouvir e recordar a genial letra e a música do Aloysio de Oliveira e do Tom Jobim, que inspirou o título deste artigo. Troquem as palavras céu, mar, onda, vento, flores pela palavra “leis” (ou “decretos” …).

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1 COMENTÁRIO

  1. Boa matéria, mas o mistério é simples de resolver: Criar dificuldades para vender facilidades. SEMPRE que uma jabuticaba dessas é criada aqui no país dos jeitinhos, pode ter certeza absoluta que uma patota, geralmente de amigos da corte, ganhará uns bons capilés com a novidade, já a população, como sempre, perderá.

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