Milagre mudou o nome da igreja mais antiga do Centro do Rio

Quadro singelo e antiquíssimo retrata a vida cultural e religiosa do Rio de Janeiro colonial, quando o culto à Santa chega ao Brasil pelas mãos do Padre Miguel da Costa

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O primor da fé tem a potencialidade de ultrapassar dificuldades ou falhas consideradas incontornáveis pelos olhos humanos. Mas se a fé remove montanhas, ela também faz enxergar dignidade nas manifestações simples de homens bem orientados, a exemplo do quadro esquecido e alguns diriam até desprestigiado da sacristia da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. A singela obra, aos olhos de especialistas, não conta com “primor artístico”, mas tem “merecimento altamente archeológico”, pois representa graficamente o ardor daqueles que viveram as suas dificuldades diante da veneração e auxílio da Santíssima Virgem, que nunca deixou de abençoar povo carioca.

O pequeno quadro, apesar de castigado pelo tempo e pela negligência de muitos, é uma verdadeira relíquia ao estilo da arte colonial brasileira de fins do século XVII. Na tela, é representado um ostensório dourado, sobre uma simplória mesa de madeira, entre duas cortinas. No ostensório, a hóstia sagrada contém uma minúscula imagem de Nossa Senhora, brilhante e redentora. Na base da representação, em letras desgastadas pela ação do tempo, a legenda:

“NO ANNO DE 1639 AOS 11 DE SETEMBRO NA DOMINGA INFRA OCTAVAM DA NATIVID.e DA SR.a DIA EM Q´ SE CELEBROU, A PRIM.a FESTA A N. S. DO BOMSUCESO ESTANDO O SANTISSIMO SACRAM.to DESENSERRADO APARECEU NA CUSTODIA A VIRGEM S. Na FR.a O ESTA PINTADA E VIRAO TRES SACERDOTES POR ESPACO DE HORA E MEYA ESTANDO A COMPLETAS, E FOY APROVADO ESTE MILAGRE.”

O escrito demonstra como a pequena obra é uma parte importantíssima da história cultural e religiosa do Rio de Janeiro, pois testemunha o surgimento de um dos oragos mais antigos das terras brasileiras. O esclarecimento sobre o pequeno e singelo milagre vem pelas mãos de um dos maiores cronistas da cidade, Viera Fazenda, um antigo médico da Santa Casa, segundo o qual o quadro teria chegado ao País trazido pelo presbítero do hábito de São Pedro, Padre Miguel da Costa, vindo de Portugal entre os anos de 1637 ou “38”, e que trouxe uma imagem de Nossa Senhora, “a quem havia imposto ou venerava com o título do Bom Sucesso”, a qual depositou na antiga Igreja da Misericórdia, como era chamado o orago da Santa Casa.

A dedicação e veneração ardorosa de Padre Miguel à Senhora do Bom Sucesso logo se espalhou pela cidade, onde foram organizados festejos e devoção organizada em confraria, com o religioso como presença asseguradora e constante. Seu fervoroso amor à Santíssima Virgem resultou em centenas de esmolas com as quais foi edificada, na antiga sacristia próxima à capela principal da primitiva Igreja da Misericórdia, uma capela privativa destinada ao culto da santa.

Em uma das suas crônicas, Vieira Fazenda recorre aos escritos de Frei Agostinho de Santa Maria, para recontar o início da devoção à Virgem: No “primeiro dia em que se festejou a Senhora (11 de Setembro de 1639), [e] estando o Sacramento exposto, foi vista a imagem da Virgem, na hóstia, por três respeitaveis sacerdotes” e posteriormente, “em uma novena, feita por occasião de grande sêcca”, a santíssima virgem reapareceu, renovando-se “esse facto extraordinario, atestado por frei Miguel de S. Francisco”.

O milagroso fato mudou profundamente o Rio de Janeiro da época, levando os irmãos da Santa Casa acrescentaram depois “da Misericórdia”; em honra da Senhora do “Bonsucesso”.

Segundo Vieira Fazenda, o pequenino quadro seria uma documentação imagética “do primeiro milagre”, pintado na sacristia da Misericórdia, como teria documentado Frei Agostinho na obra, o “Sanctuario Marianno”. Através de Viera, a obra passa a ter um ano presumido de nascimento: 1713. Por ele também sabemos, que a pintura passou por muitas intempéries, como um “desaparecimento” e redescoberta, por volta de 1902, em péssimo estado de conservação. À luz, segundo Viera, foi trazida a obra por intermédio restaurador do chefe da secretaria da Irmandade da Misericórdia, Francisco de Sá.

Quadro da Santa Casa Milagre mudou o nome da igreja mais antiga do Centro do Rio
Quadro em estilo da arte colonial dos fins do século XVII instalado na Santa Casa da Misericórdia do Rio / Reprodução

Após a revitalização do quadro por Sá, Fazenda Vieira informa, que a obra desapareceu novamente, só reaparecendo muitos anos depois pendurado na velha sacristia da Igreja do Bonsucesso, sendo redescoberto às vésperas de um outro 11 de Setembro de 2024.

A imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso, teria sido trazida de Portugal por Padre Miguel da Costa. O cronista carioca informa ainda que o juiz da Irmandade do Bom Sucesso, Jerônimo Barbalho Bezerra, decidiu entregar, por meio de escritura lavrada no livro 1º do Tombo da Santa Casa, em 20 de setembro de 1652, todos bens, além da imagem da Virgem, à Irmandade da Misericórdia, sob a condição de a instituição dar continuidade aos festejos em honra da padroeira. O que foi feito.

“Ainda em 1698, ocupava a Senhora do Bom Sucesso o primeiro altar do lado da Epistola”, dentro da Igreja da Misericórdia, e em “principios do seculo XVIII”, já “a antiga egreja havia perdido o [seu] antigo nome, e bem assim a rua da Misericordia era chamada rua da Egreja do Bom Sucesso, indo para S. José”, escreve Vieira Fazenda em uma crônica, como reproduziu Matheus Campelo em seu artigo “Um Milagre na Santa Casa da Misericórdia do Rio”.

Assim, a devoção de Nossa Senhora da Misericórdia pelas Santas Casas, desde a primeira unidade da secular instituição, ainda em Portugal de D. Manuel, foi substituída no Rio de Janeiro, pelo culto à Senhora do Bom Sucesso, com os irmãos da Santa Casa fluminense assumindo o compromisso estatutário de honrar anualmente a devoção da Virgem nas dependências da filantrópica e quadricentenária instituição, fundada por São José de Anchieta.

A atual imagem de Nossa Senhora de Bom Sucesso, não seria a trazida pelo Padre Miguel da Costa, segundo os escritos de Frei Agostinho de Santa Maria, como destacado por Vieira Fazenda. A primeira imagem teria sido colocada no oratório da casa de Tomé Corrêa de Alvarenga, no século XVIII, que foi salvo pela santa de um grande perigo e que substituiu a original por outra. Em sua crônica, Fazenda desconhece como a imagem milagrosa da Virgem foi parar em Lisboa, já que Thomé faleceu em 7 de setembro de 1675, e foi sepultado, como queria, na entrada da porta principal da Igreja da Misericórdia.

O quadro voltou a ocupar o seu lugar. O espírito de Nossa Senhora do Bom Sucesso segue vivificado em todos os irmãos da Misericórdia. No próximo domingo, dia 15 de setembro, a Irmandade e a Santa Casa celebram a padroeira e protetora Nossa Senhora do Bom Sucesso, como é tradição, em todo o primeiro domingo depois do dia 8 de setembro, na igreja própria do Bom Sucesso.

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